Segundo Teresa Sousa de Almeida, no seu artigo Capelinhas e candeias acesas Natália Nunes e a reflexão sobre o universo da arte:
O romance Regresso ao Caos, publicado em 1960, é uma alegoria da criação artística e uma crítica implacável à maneira como funciona o comércio e a difusão da cultura no nosso país.
Natália Nunes tem necessidade de apresentar a sua concepção de arte, inserindo uma perspectiva de género, num país que, ainda hoje, silencia a produção escrita das mulheres do século passado.
Ali podia à sua vontade ficar toda a noite sem se deitar, quando aquilo se prolongava, aquela vontade de sonhar com as suas músicas, a sua arte.
Ali podia escrever nas paredes as notas que lhe vinham à ideia quando não tinha papel à mão; quantas frases não tinha ele escrito assim, de improviso, nas portas, nas ombreiras e até no rodapé do quarto! Tudo dependia da posição em que se encontrava no momento em que elas lhe apareciam.
Afirmar que António Gedeão nunca existiu não anda longe da verdade, porque Rómulo de Carvalho foi o homem real por detrás do pseudónimo. Levando uma existência muito privada que não aceitava que fosse perturbada, Rómulo de Carvalho tornava-se António Gedeão, o poeta do pensamento e do sentimento.
O seu primeiro livro de poesia foi publicado já aos cinquenta anos e o seu último aos oitenta, revelando ao mundo um António Gedeão tardio na sua fecunda existência como professor de química e física, investigador, historiador, escritor, fotógrafo, pintor e ilustrador.
No seu texto An Introduction to the Poetry of António Gedeão, Christopher Damien Auretta comenta que António Gedeão é:
Um mestre da auto-ilusão e das enganosas transparências de expressão.
É esse auto-distanciamento, imbuído de uma consciência altamente matizada das fontes e da evolução das crenças modernas, que dá impulso crítico e profundidade emotiva à sua poesia.
Ler Natália Nunes não foi uma escolha fácil. Ao contrário do marido, António Gedeão, a maioria dos seus livros não foram fáceis de encontrar. Valeram-me os alfarrabistas que me ajudaram a construir este ciclo de leitura durante meses a fio, sem desistirem de mim. Continuo à procura de alguns, mas são já raros e começo a perder a esperança.
Natália Nunes tem sido uma revelação surpreendente e adorei ler o seu Autobiografia de uma Mulher Romântica, uma meditação sobre a vida, as dores e alegrias, as marcas que nos deixa.
Comecei a ler Regresso ao Caos que mantém algumas das características de Autobiografia de uma Mulher Romântica no que respeita à escrita de carácter confessional e de análise psicológica das vivências da personagem, contudo diverge quando aprofunda a alma do criador artístico.
Em paralelo continuo a ler António Gedeão cuja poesia já conhecia parcialmente. Todos os dias leio um poema seu em voz alta e está a ser uma experiência mágica. Quando decidi que o iria ler, tive algumas dúvidas sobre a logística do seu ciclo de leitura e acabei por comprar Obra Completa, porque condensa num só livro a sua obra poética, novelística, teatral e ensaística.
De António Gedeão:
continuo a ler Obra Completa
De Natália Nunes:
acabei de ler Autobiografia de uma Mulher Romântica
Quem sabe se essas fases de depressão não corresponderiam a uma espécie de artimanha inconsciente mas intencional da sua alma que procurava uma oportunidade para um ócio criador, onde a imaginação pudesse dar largas a todos os ímpetos?