Nos contos de Até já não é adeus (1989) de Cristina Carvalho há um caleidoscópio de vivências interiores que teimam em quebrar a opacidade vítrea, para se revelarem em pequenos pedacinhos coloridos de mundos íntimos.
Nestes contos o tempo é baralhado como um jogo de cartas, e cada carta que sai do baralho é um fragmento da realidade. O passado, o presente e o futuro, espalhados pela nossa leitura, num jogo em que não há vencedores, nem vencidos.
Passados muitos, muitos anos, voltei a essa rua. Queria ver a casa onde tinha vivido. Queria lembrar-me de mim, do meu pai, novo, sempre coberto de livros e de papéis, engolindo livros inteiros como fazem certos pássaros que com rapidez de relâmpago pescam e engolem peixes vivos, numa calma própria, justificada pela própria Natureza.
Da minha mãe, queria lembrar-me dela como se ela ali estivesse ainda, atrás de nós ou à nossa frente, num bailado eterno de piruetas de garça.
Fui sozinho. A casa reconheci-a logo.
Excerto do conto Até já não é adeus ou
A triste história de Luís desde que nasceu até que morreu