A filosofia está em todo o lado e ao longo da vida é impossível escapar ao questionamento filosófico. Do jardim de infância ao lar de idosos, nunca deixaremos de pensar em questões filosóficas e de as debater.
A maioria das pessoas não se considera um filósofo, porque nem se apercebe que muitas das questões que equaciona é a própria raiz da filosofia.
Ana é uma rapariga de 18 anos que, contrariando a vontade dos pais, viaja para Londres, acreditando numa vida melhor e no amor vivido com João Filipe, o namorado que emigrou para fugir à Guerra Colonial. Mesmo que, no fundo, saiba que nunca se conseguirá libertar de uma herança cultural e familiar, que lhe corre nas veias misturada com o sangue: «Percebeu toda a confusão de hábitos, maneiras e costumes, dos quais, pensou ela, mesmo que desapareça, jamais se poderá esquecer.»
A escrita de Cristina Carvalho mostra-nos a poesia da voz interior, alternando entre narradores e permitindo um vislumbre dos sonhos (desfeitos e por cumprir) de cada uma das personagens. Tal como a geração de Ana, que então partiu para cumprir um sonho fugindo a um país sonolento, há agora gente que parte diariamente, impelida por uma política de desertificação humana. Porém, se na geração de Ana o regresso a casa era visto como provável, hoje em dia parece ser de uma impossibilidade tremenda. Um livro urgente, pertinente e de uma estranha e inimaginável actualidade.
Eu vou-me embora. Decidi. Eles estão todos a fugir à guerra, já reparou? Já reparou na quantidade de alunos, de caras conhecidas aqui do bairro que deixou de ver? Sabe para onde foram? Para França, para Itália, para Inglaterra, sabe-se lá para onde! Desaparecem de um dia para o outro, sozinhos, completamente sozinhos, depois passados uns tempos telefonam aos pais, às namoradas, a dizer onde estão.
Se o professor entrar na Értilas, aí por volta do meio-dia, há-de reparar numa data de mães tristes, tristíssimas que se conhecem todas umas às outras, mas não se falam, apenas se olham e bebem comovidas o mesmo carioca morno.
Como viu, realmente durante mais cinquenta e cinco anos. Reparou, então, que ela ia tomando apontamentos num caderno com um lápis pouco afiado.
«Com licença, tenho aqui um lápis maior, bem afiado, pode dar-lhe mais jeito...»
e ela
«Mas este lápis está bem, muito bem afiado!»
e ele
«Posso então dar-lhe um novo caderno acabado de comprar?»
e ela
«Não percebi...»
e ele
«Que está a estudar? Para algum exame, talvez! Sou professor...»
Naquela altura e numa fração de segundo todas as dúvidas se dissiparam e a canção murmurada em largos horizontes, canção de torturas e delícias, fez-se ouvir. Esse namoro, preparos de uma longa vida a dois, durou dois anos e meio. Finalmente, em 1945, casaram-se Rómulo e Natália.
in Rómulo de Carvalho / António Gedeão - Príncipe Perfeito deCristina Carvalho
Aprender a perguntar bem é desconfiar das respostas demasiado taxativas, demasiado óbvias.
Filosofamos a partir do que sabemos até ao que não sabemos ou que achamos nunca vir a saber. Outras vezes, filosofamos contra o que sabemos, repensando e questionando aquilo que achávamos saber.
Uma coisa é certa, quem não for capaz de viver na incerteza é melhor nem se pôr a pensar.
Andamos todos a enganar-nos uns aos outros. Os ricos aos pobres, os pobres aos ricos. Não me venham cá com frases feitas, pior, com ideias feitas, dizer que a culpa é só do sistema económico e social, a natureza humana, a parte reptiliana, arcaica, do nosso cérebro, não conta? Enfim, não sei.