A 23 de Abril celebou-se o Dia Mundial do Livro. Comemorado desde 1996, este ano foi assinalado com um cartaz muito especial, que assinala os 500 anos do nascimento de Camões. «Esta comemoração não reverencia apenas o legado literário do poeta, mas também pretende destacar a vastidão do seu conhecimento e a influência duradoura que exerce sobre as culturas de língua portuguesa em todo o mundo.»
E, já que se fala de Camões, a não perder a leitura do artigo:Com que pena lembramos Camões? de Fátima Vizeu Pinheiro: «Celebrar Camões é celebrar a aspiração de amor que todo o homem traz em si, fogo que arde sem se ver. Celebrar Camões é celebrar Abril sem que os cravos tapem o poeta.»
Logo a seguir, comemoraram-se 50 anos do 25 de Abril e, à guisa de celebração, comprei alguns livros da Colecção Biblioteca da Censura. Entre 1933 e 1974, o Estado Novo censurou e proibiu uma longa lista de livros, por os considerar capazes de “perversão da opinião pública”. Agora podemos ler alguns desses livros que constam dessa mesma colecção. Na capa de alguns deles consta o carimbo da proibição original do Estado Novo.
E falando de censura, «A história da censura é longa e universal. Cinquenta anos passados do 25 de Abril, importa reflectir acerca das razões de estado invocadas para proibir determinantemente a leitura de uma ou de várias obras de um autor. O caso português é particularmente interessante. Num país de analfabetos, proibir a leitura parece ser um número de comédia semelhante a proibir um cego de ver televisão.» Obrigatório ler A longa noite dos livros censurados de Vasco Medeiros.
Quem é, mas quem é o senhor que não é igual a mim. Seria eu a contar-lhe a minha história e afinal não consigo porque nem voz já tenho. Já não tenho nada, nada a não ser esta insegurança, esta sensação de nada e se me tocar não me sinto, já nem através das pálpebras o pressinto.
Diga-me quem é porque me sinto a desaparecer por entre este musgo. Esta terra molhada está-me absorvendo. Ao mesmo tempo, é uma boa sensação.
in Estranhos Casos de Amor (2003) de Cristina Carvalho
Qual é o destino – na poesia – dessas competidoras, às vezes complementares, energias da ciência e da poesia?
A primeira é uma actividade mental intrinsecamente pública e quantificável, esta última, uma energia opaca cujas origens escapam aos contornos racionais.
As leis científicas são condensadas por Gedeão em imagens concisas que lhe permitem alegorizar - em contrastes irónicos e, muitas vezes, inquietantes - a existência humana como subjectividade confusa ou enganada, como um jogo de sombras em torno de uma busca equívoca - ao mesmo tempo, desesperada e irrealizável - por uma libertação da nossa história colectiva dominada por conflitos.
Excerto de An Introduction to the Poetry of António Gedeão
A «missão socrática» não tinha por objectivo a mera promoção intelectual dos que o ouviam; longe disso, ao admitir como autêntica virtude humana o conhecimento, combatendo a ignorância estava também a perseguir o aperfeiçoamento moral dos indivíduos - o mal e as condutas injustas são apenas fruto da ignorância e a ética é correlativa à sabedoria.
Quando o jardineiro se afastou, a irmã, que estava presente, não se conteve:
- Não fale em perfume, referindo-se a um manjerico. Porque perfume só o têm certas flores delicadas. O manjerico é quase uma planta de jardim potager, até serve para temperos de cozinha. Há no seu cheiro, cheiro e não perfume, qualquer coisa de ordinário, de plebeu, não lhe parece?
Na rua, caminhavam lado a lado, sem dar o braço. Até porque do braço dele pendia um guarda-chuva que mantinha uma distância regimental.
O namoro acabou, não sei quando. Mas ao longo da vida esse guarda-chuva perdurou, não como objeto utilitário, mas como reserva de privacidade, resguardo de emoções que Augusto Abelaira só deixava transparecer relativamente a acontecimentos ou ideias. Muito raramente em relação a pessoas. Ternuras, mimos, palavras doces, que lhe ouvisse só para gatos. E, no entanto sabíamos que era um homem sensual.
Daí que agora, depois do seu desaparecimento, rememorando os anos de convívio e relendo o que escreveu, não resista a um pequeno exercício mental tanto a seu gosto e me interrogue sobre se para ele os amigos foram verdadeiramente amigos, se os amores foram verdadeiramente amores ou simplesmente personagens úteis ao diálogo que ele manteve com o mundo, esse mundo que ele questionou incessantemente. Personagens às vezes simpáticas, fascinantes, mesmo. Outras terrivelmente maçadoras.
Augusto Abelaira não escondia o fastio do tributo a que o convívio o obrigava.
in Augusto Abelaira: não só mas também de Maria Antónia Palla
- Se soubesses como me deixam indiferente as obras que faço, Giovanni! Casas inúteis, vivendas de ricos. Ou prédios para explorar gente... Não. Creio que nunca tive a consciência de criar alguma coisa, a consciência de que estou a modificar o perfil da terra.