Já a pensar em férias, ando completamente esquecida de tudo ao meu redor.
No entanto, não poderia esquecer a 94.ª Feira do Livro de Lisboaque já começou e irá prolongar-se até dia 16 de Junho.
Mais tarde irá decorrer a Feira do Livro do Porto, entre 23 de Agosto e 8 de Setembro nos Jardins do Palácio de Cristal em que Eugénio de Andrade será o autor homenageado.
Ainda recordo nitidamente a sensação que tive. Foi como se alguma coisa descesse do céu, devagar, quase como que flutuando, e eu pudesse agarrar nela.
Por que razão quis o destino que me viesse parar às mãos, não sei dizer, mas aconteceu. Nunca soube e continuo sem saber. Foi uma espécie de revelação, se quiserem. Talvez «epifania» seja uma palavra melhor.
A única coisa que posso afirmar é que a minha vida mudou da noite para o dia no preciso instante em que Dave Hilton, enquanto primeiro batedor, alcançou, de forma magnífica, a segunda base.
Haruki Murakami in Prefácio de Ouve a Canção do Vento (1979)
Escrever, para mim, é uma tarefa terrivelmente angustiante. Posso estar um mês inteiro sem redigir uma única linha, ou chegar à conclusão de que tudo o que escrevi durante três dias e três noites a fio não vale a ponta de um corno. Ao mesmo tempo, a escrita dá-me imenso gozo. Em comparação com as adversidades que encontramos pelo caminho, ao escrever torna-se-me muito mais simples dar sentido à vida.
in Ouve a Canção do Vento (1979) de Haruki Murakami
Abelaira era um cético militante mas não era um pessimista.
Durante o fascismo, ansiava pela libertação e nunca o escondeu. Emocionou-se com a campanha do general Delgado, empenhou-se no Programa para a Democratização da República.
Em abril de 1974, trabalhava em O Século e escrevia diariamente, na primeira página do jornal, uma pequena nota crítica. Foi diretor da Vida Mundial, onde trabalhamos juntos. E Trabalhar com Augusto Abelaira era um infinito prazer. Porque ele encarava a redação como os grandes mestres do Renascimento os seus “ateliers”. Não como um simples local de trabalho mas como um espaço de discussão de acontecimentos, de ideias, de aprendizagem e transmissão de conhecimentos
in Augusto Abelaira: não só mas também de Maria Antónia Palla
Vão trepando vagarosamente a estradinha que conduz à igreja de São Francisco. Conversam, entregam-se às palavras, mas não só às palavras, ao ar gostoso e perfumado que separa umas das outras as palavras - palavras que assim lhes aparecem como arquipélagos, arquipélagos ricos, densos de florestas e de enigmas, que assim lhes aparecem a emergir do oceano do tempo, desse tempo que é ar inspirado, expirado, denso, saboroso.
Conversam. Sobre quê? Conversam.
Nem uma palavra acerca de Mussolini ou do fascismo. Neste momento não são escravos. Vão livres e sorriem no meio das palavras encantadas.
A par da música, a leitura era o que mais gozo me dava. Por mais trabalho que tivesse, por mais dura que fosse a minha vida, por mais esgotado ou falido que estivesse, era o único prazer que ninguém me podia tirar.
Estava já perto dos trinta anos quando o nosso bar de jazz de Sendagaya começou a dar sinais de estabilidade financeira. Continuávamos a ter dívidas, convém acrescentar, e não nos podíamos dar ao luxo de cruzar os braços (havia períodos com pouco movimento e as coisas nem sempre corriam pelo melhor), porém, tudo indicava que estávamos no bom caminho.
Haruki Murakami in Prefácio de Ouve a Canção do Vento (1979)
«Quem tem um coração negro só pode ter sonhos negros. Aqueles que o têm ainda mais escuro nem sequer sabem o que é sonhar», costumava dizer a minha falecida avó.
Na noite em que ela morreu, o primeiro gesto que fiz foi estender a mão e fechar-lhe os olhos. Enquanto lhe cerrava suavemente as pálpebras, os sonhos que ela tivera ao longo dos seus setenta e nove anos esfumaram-se em silêncio, sem deixar rasto, evaporando-se como gotas de um aguaceiro de Verão no asfalto quente.
in Ouve a Canção do Vento (1979) de Haruki Murakami