Os livros, para além de serem uma fonte de entretenimento e de cultura, podem também desempenhar um papel terapêutico. Um livro pode tocar-nos tão profundamente que nos pode ajudar a ter outra perspectiva. O poder das palavras pode ser imenso e ler as palavras certas, quando mais precisamos delas, pode ser muito catártico.
A biblioterapia serve-se da literatura como uma forma complementar de tratamento em várias abordagens de psicoterapia. É como receber uma receita médica de leitura, no entanto há que ressaltar que a biblioterapia não é a mera leitura de livros de auto-ajuda, mas de livros com alguma profundidade visceral que nos transforme como seres humanos.
No entanto, não posso deixar de revelar algum cepticismo, considerando que cada livro pode ter interpretações e significados distintos para cada pessoa. Durante o acto de leitura é inevitável fazermos uma projecção da nossa existência no percurso existencial das personagens que acompanhamos. Aliás, há uma divisão do nosso ser em duas partes enquanto lemos, visto que nos abandonamos inteiramente como indivíduos para nos unirmos a outra mente que conversa connosco, através daquelas páginas. Nesse processo ganhamos uma maior consciência de quem somos e uma maior compreensão pelo que nos rodeia.
Não terá sido por acaso que os antigos gregos chamavam à biblioteca «o lugar de cura para a alma».
Louco! A tua tolerância, a tua submissão ao destino, sabes o que representa, e sou eu, a tua mulher, quem to diz?
Medo... Receio do amanhã.
Sob a aparência do humanismo, da bondade, da tolerância, da compreensão, do cepticismo liberal, és um conservador. O conservador sabes tu? - é o homem que não se apossa do seu destino para iluminar o mundo, o conservador é o homem que se entrega aos acontecimentos porque tem receio de os alterar. Preferes morrer neste mundo conhecido em que ao menos sabes com o que podes contar, a viver num mundo de aventura, um mundo de gente livre! Decide-te, Heitor! És um dos raros homens que têm o mundo nas mãos. Vais fugir? (Pausa.) Sim, fugirás. Ah, como és egoísta! Terás de teatro, os poetas hão-de cantar-te, perder, para ti, talvez seja mais brilhante do que a vitória. Mas imaginas o que nos espera?
in O Nariz de Cleópatra (1962) de Augusto Abelaira
George Sand revela na sua autobiografia - Histoire de ma vie - que foi uma mulher que teve de abrir arduamente o seu caminho num mundo de homens e conseguimos compreender, finalmente, porque assumiu comportamentos não consensuais para assumir o seu papel feminino numa sociedade profundamente masculina.
Inclusivé muitos chegaram a defender que como escritora e mulher ela era «uma inimiga perigosa do casamento e da moralidade» e outros viam-na como uma heroína que revelava o sofrimento feminino, escondido pelas convenções impostas às mulheres.
As opiniões sobre George Sand nunca foram pacíficas e a escritora estava ciente de que o facto de ser uma mulher não convencional perturbava os seus leitores. Por isso, decidiu usar a sua autobiografia para esclarecer o que ser mulher significava para ela. Foi a oportunidade perfeita de se conectar com os seus leitores, revelando através da sua própria voz que, apesar de ter conseguido ter acesso ao mundo masculino, nunca se esquecera de que era uma mulher.
"I anger you, I see; but what would you have! I am not clever; I am not acquainted with the subtle distinctions of your language, and then, too, I resemble your husband in many ways. Like him I am utterly in the dark as to what a man must say to a woman, either in English or in French, to console her. Another man would have conveyed to your mind, without putting it in words, the idea that I have just expressed so awkwardly; he would have had the art to insinuate himself into your confidence without allowing you to detect his progress, and perhaps he would have succeeded in affording some relief to your heart, which puts fetters on itself and locks itself up before me.
This is not the first time that I have noticed how much more influence words have upon women than ideas, especially in France.
Poderemos classificar de «obcecadas» as personagens de Finisterra? Parece que sim.
Todas elas vivem obcecadas com a paisagem e com a sua representação: a criança desenhadora, o homem da câmara escura (o pai), a mulher das magias gisândricas (a esposa ou a amante), o velho mago das alquimias porcelânicas (o tio), a mãe sádica, leviana ou infeliz, que perfura os olhos do cordeiro.
Todos presos de uma obsessão, todos semelhantes a fantasmas de si mesmos que, num quadro fora do tempo e do espaço, vivem cada um a sua paixão.
in A Ressurreição das Florestas (1997) de Natália Nunes
A minha mãe sempre achou que ler era um desperdício de tempo. Toda uma vida para viver e eu a perdê-la para os livros e a arruinar a visão com as minhas leituras clandestinas e nocturnas. A minha miopia é culpa de todos os livros que li, diz ela.
Não saberia explicar o meu fascínio pelos livros e a magia que reside neles a uma pessoa tão pragmática como ela. É algo que se sente, não se vê.
Quando leio, mergulho no mundo das ideias, do conhecimento, de outras vidas, de outras perspectivas.
A minha curiosidade pelo mundo é insaciável e quero compreendê-lo em todas as suas facetas.
Ler sobre outras experiências humanas e conectar-me com a humanidade do outro lado do planeta é o que tem alimentado a minha fome pelos livros. Experimento emoções e perspectivas muito diferentes das minhas e acabo por compreender melhor o outro. Os dilemas, os triunfos, as perdas e os medos das personagens reflectem-se em mim e aprendo a reconhecer que todos vivemos o mesmo, mas de formas diferentes.
Na maioria das vezes, sinto que a leitura é uma conversa entre mim e uma personagem e, em alguns casos, com o escritor. Conversas que, muitas vezes, desafiam aquilo em que acredito ou acreditava.
É na quebra desses limites da percepção que tenho crescido como ser humano.
