Adília com as suas roupas e o seu corpo nos antípodas das mulheres que preenchem habitualmente a paisagem televisiva, com a sua voz infantil e as suas considerações aparentemente absurdas sobre o peso de certos livros ou a falta dele, podia ser uma crítica cultural, se o público não ficasse preso na estranheza que emanava daquela figura.
Nessa altura a poeta, já bastante reconhecida no meio intelectual, passa a circular nos programas de televisão como uma personagem freak. Sem que se percebesse se aquilo era uma performance artística ou um mero aproveitamento mediático de uma pessoa com fragilidades psíquicas.
Oh, como gostamos deste humor negro que continua a ser um dos seus maiores trunfos poéticos.
Com que ironia melancólica passamos a olhar o mundo depois de umas horas fechados num livro de Adília. Como as memórias dela, as suas primas e tias, o seu mundo de menina da alta burguesia lisboeta são afinal de todos nós, perseguidos pelos mesmos fantasmas, pela mesma antiquíssima solidão, pelos mesmos objetos triviais onde procuramos uma imagem justa para a nossa dor ou para o nosso contentamento.
A solidão, a impossibilidade do amor, as exigências impossíveis que o mundo faz às mulheres, a inevitável desilusão e o sentimento de perda face a tudo, fazem com que a sua poesia se fixe em nós com uma carga mais trágica que anedótica e nunca como uma mera mimesis da realidade.
Como escreveu a ensaísta Rosa Maria Martelo somos sempre “desarmados pela sua imagem de anti-poeta e de menina. E, todavia, esta condição desarmada de Adília Lopes também é a sua arma mais desarmante. Porque é ela que lhe permite ser especialmente eficaz na denúncia da hipocrisia, da crueldade, da cupidez e da estupidez do mundo em que vivemos (…) o modo como olha para a linguagem, a maneira como persistentemente a experimenta, questiona, desloca e analisa nada tem de fútil ou inocente.”
Mas nem sempre a poeta consegue chegar a esse nível de admirabilidade que ela própria impôs, com a sua loucura iluminada, as suas rasteiras de menina travessa, as suas glosas descaradas ou subtilíssimas de outros artistas, mostrando sempre que a mulher-a-dias é uma aristocrata erudita até quando conta pormenores da sua vida sexual.