Porque não trabalho? - ripostou ela. - Qual o proveito para mim ou para os outros? Acabaria por me aborrecer também, com a desvantagem de já não poder decidir como...
Assim sou eu que escolho. Aborreço-me da maneira que me apetece.
Propunha-me construir um estilo fluente e «neutro», desprovido de ornamentos supérfluos. Não estava nos meus planos produzir prosa num japonês esbatido, mas transmitir ao romance a minha própria voz, utilizando um japonês que se afastasse o mais possível da chamada «linguagem romanesca».
Para tal, tinha de arriscar. Falando com franqueza, naquela altura, a língua japonesa não passava, no meu entender, de um instrumento funcional. Alguns dos que me criticam viram nisso um insulto à língua japonesa.
Todavia, um idioma é, na sua essência, sólido, possuindo uma capacidade de resistência apoiada num longo historial com provas dadas. Independentemente do modo mais ou menos duro como é tratado, a sua integridade nunca fica posta em causa.
Haruki Murakami in Prefácio de Ouve a Canção do Vento (1979)
Sim, lá isso... Acabamos todos por morrer. Mas antes tens de andar por cá durante pelo menos cinquenta anos. E para ser franco, cinquenta anos passados a pensar, falando sem papas na língua, é muito mais cansativo do que viver cinco mil anos sem pensar em nada. De acordo? Tinha razão. Totalmente de acordo.
in Ouve a Canção do Vento (1979) de Haruki Murakami
Em Finisterra, a linha de fuga de Carlos de Oliveira vai consistir na penetração decisiva numa senda de exploração intensiva da imaginação da matéria e dos seus elementos naturais, desde as profundidades dos estratos geo minerais do planeta aos astros siderais, valorizando conco mutantemente o onirismo e o simbolismo, assim como numa psicologia (mas não analítica, à qual, como disse, somos quase radicalmente avessos), intuitiva e organicista do Desejo e da Paixão, levada até ao nível de uma animitismo incidente sobre as manifestações primárias da vida biológica.
in A Ressurreição das Florestas (1997) de Natália Nunes
Há com certeza ouras razões. Nem sempre fazemos jogo limpo. Pára de repente, gira sobre os calcanhares, e fita-me: olhos piscos, pálpebras quase a fechar-se. Achas que tentei enganar-te? Mais ou menos, embora sem quereres. Percebo. Um inocente e um mentiroso, de braço dado. Difícil distinguir o real por trás da encenação. Não foges (não fugimos) à regra.
A educação, a religião e a cultura é que nos fazem distinguir e nos afastam uns dos outros.
Falar sobre os homens é exactamente a mesma coisa que falar sobre mulheres. É indissociável. As mulheres têm rigorosamente as mesmas capacidades intelectuais, diferencia-as apenas a força física.
Há um panteísmo de homens e mulheres que não se pode ignorar: complementam-se. As mulheres têm tido um percurso dificílimo, quase insustentável, de afirmação, de independência, de autonomia. E continuam a ter, porque há religiões e culturas em que continua tudo rigorosamente na mesma, ou pior ainda.
O mito da costela de Adão é muitíssimo machista, não sei quem o inventou. Saíste da costela do Adão e portanto, minha amiga, serás sempre isso. Há aí uma distorção intencional. Não sei nada de religião, não fui educada religiosamente.
Não há muito que fazer nesta época do ano aqui à volta de Uppsala. E não é por causa do tempo frio, nem por causa das poucas horas de luz do dia, nem por causa da noite gelada... É porque, simplesmente, a vida é simples e fácil. É até fácil demais. E é por isso mesmo que os novos, não tendo quase nada com que se ocupar, pretendem conhecer a cidade maior, a grande e próxima cidade de Estocolmo.
Ali sim, há mar, há casas muito altas, há padarias, há lojas de lenha e de carvão, há alfaiates pois há muita gente a vestir, há sapateiros pois há muita gente a calçar e há muitas outras profissões desconhecidas para a gente como nós que vem da província.
Grande parte da poesia de Gedeão parte de um núcleo de transparência da intenção (reflexo, talvez, do futuro optimismo dos cientistas em geral, que professam ter inventado o futuro da humanidade) a um escurecimento metafísico, como que a sugerir que o pensamento poético deve finalmente amadurecer no sonho, e não no meridional da clareza do escrutínio científico.
O destino de um complexo ato cognitivo está, portanto, a ocorrer.
Excerto de An Introduction to the Poetry of António Gedeão