(...) Que ideia a tua, meu Amor! Como podes não me «interessar»? Que loucura Santo Deus!
Há alguma coisa no mundo que verdadeiramente me interesse além do teu amor, minha querida? Mas ainda tens dúvida a esse respeito?
Que receio podes ter, se sempre te provei o infinito amor que te tenho, a maravilha de segurança e espírito que para mim és, o encantamento que é para mim a tua presença, a delícia que é para mim o teu amor quando nos damos um ao outro como, suponho eu, ninguém se dá? (...)
Mas nada disso importa, senão o nosso Amor.
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
(...) Eu não estou percebendo nada das nossas correspondências. Se não tenho escrito todos os dias, é raro o dia em que te não escrevo, e conforme a estação do correio ou a ocasião a carta vai ou não expressa registada.
Dá-me a impressão que nem todas chegam, mas a verdade é que, por elas, podes acompanhar os meus passos e saber bem o que tenho feito no Rio.
A demora em uma carta responder a uma determinada carta, dá uma confusão tremenda, quando estamos tratando de assuntos importantes e a resolver coisas, o que não sucedeu nunca das outras vezes que na Inglaterra me demorei. Então, trocávamos apenas as novidades e as saudades, e a nossa conversa de amor prosseguia incólume.
Agora, entremeada do anseio de estarmos juntos e dos contratempos brasílicos deste mundo triste e em especial dessa pátria, é demais para nervos cansados como os nossos.(...)
Mas nada disso importa, senão o nosso Amor.
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
(...) Meu amor, eu não quero desanimar-te – «a sorte está lançada» e não estou mal contente com ela, pelo contrário, estou cheia de esperança em ti, convencida de que vais finalmente realizar-te plenamente, confiada que deixaremos esta premência de vida impossível que aqui tínhamos e principalmente, querido, certa que finalmente te libertarás de ti mesmo, libertando-te desta pocilga de pseudo-moralidade.
Só por isso iria contigo para a Conchinchina, se fosse preciso, e mesmo que fosse para viver pior do que aqui. Não era possível continuarmos a viver aqui como vivíamos, sufocávamos e estoirávamos. Sei que não será possível querer-te mais do que te quero, mas não sei o que é querer-te com paz, com alegria, sem medo de tudo. É tudo isso que espero ter, que teremos, se Deus quiser.(...)
Mécia
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
Meu amor, muito querido Jorge Um dia mais sem notícias tuas.
(...)Estou mais uma vez dependente de ti para ter tudo pronto quanto a papelada.
O tempo que tudo leva é desesperante.
Quando penso que tu me julgavas já a caminho no dia 22 até me fez rir.
Tudo são barreiras intransponíveis, nesta terra, querido Jorge. (...) Escreve-me, Jorge. Não posso compreender porque desta vez o não fazes com aquela regularidade que te era tão peculiar, agora que a distância é maior que nunca, que a minha ansiedade é também maior que nunca, é que tu estás assim meu querido, Até logo, meu amor.
Muitos beijos, muitos da tua do coração
Mécia
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
Meu amor, temo que a vida não chegue a dar-me a alegria imensa de te ver trabalhando com gosto e vivendo sem esta escravatura que era a nossa vida aqui, mas tudo correrá bem, não é verdade?
Enquanto não me vir embarcada não terei repouso possível, meu amor. Tanto tenho pedido que me escrevas todos os dias umas letrinhas, por que o não fazes se era sempre esse o teu costume?
Beijo-te cheia de saudades. Beijo-te, meu amor, com carinho infinito. Tua
Mécia
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
Meu amor Decididamente a tua estadia aí dá cabo de mim. Há 5 dias que nada sei de ti. Desde ontem que não sei quantas vezes experimentei o telefone da Belchior que ninguém atende.
É horrível Jorge, já te pedi não sei quantas vezes que não deixasses de me escrever só porque contas ter este ou aquele portador porque as pessoas não chegam, ou afinal nada trazem (o caso do Luís de Matos que o Barradas me disse que traria notícias que, pelo menos, me não chegaram) e eu estou amarrada em casa à espera de telefonemas que não vêm e ansiosa por notícias que também não vêm.
Entretanto vou-me enervando e desesperando. Numa altura em que tanta coisa há para decidir, em que mais que nunca estou dependente das tuas cartas, o teu silêncio é desesperador. Mas porque não hás-de escrever-me regularmente como sempre, Jorge?
Mécia
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
sinto uma satisfação imensa por teres escolhido e se te ter deparado uma coisa que finalmente te permitirá ser quem és sem divisão.
Estava tremendo que o ganhar mais te tentasse para o lado da engenharia e eu não pretendo que tenhamos de sobra, mas apenas que chegue bem para não vivermos nesta preocupação constante e para que os filhos não sejam um quebra-cabeças.
Em todo o caso, de momento, preocupa-me onde nos irás alojar e como vais arranjar dinheiro para comprar aquelas coisas indispensáveis e mínimas para podermos viver. (...)
Mécia
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
(...) Trarás todo o Pascoaes, todo o Pessoa, a minha papelada, a máquina de escrever, etc., tudo o que possas e vejas necessário para os trabalhos próximos, entre mãos.
Os pequenos até dois anos pagam no avião 10% e até 12, 50%, o que significa que farás as tuas contas e trarás aqueles que entenderes mais conveniente que venham: os três mais pequenos e a Isabel Maria, que te ajudará, talvez seja o melhor. Os outros viriam depois.
Isto, meu Amor, é um grande mundo, e a generosidade desta gente e dos nossos amigos portugueses é um facto. É agora ou nunca, meu Amor, e eu estou certo de que nunca mais daí sairíamos, entendes?
Aceito Assis para começar, e para ter enfim aquela vida plena contigo e com o meu trabalho sem engenharias, que eventualmente poderei ter, pois também deste campo vieram possibilidades sondadas e ofertas concretas.
O ensino das crianças é aqui gratuito. Adaptar-nos-emos. Contigo a meu lado, fora dessa piolheira irreparável, iremos até ao fim do mundo (e Assis… é um pouco isso). Acho importante que, sem alardes, pois, oficialmente, a nossa instalação não é definitiva, prepares tudo como melhor souberes, e tu sabes tudo como eu não. (...)
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)