De Kaváfis também só os sábios pareciam ter entrevisto o seu talento em vida, já que Kaváfis, que há muitos anos não visitava a Grécia e passara toda a sua vida trabalhando no Ministério Egípcio das Obras Públicas, morreu de cancro da laringe em 1933, aos setenta anos, com a sua reputação enquanto poeta ainda obscura, partilhando o caminho de tantos outros que só na posteridade alcançaram o relevo que teriam certamente gostado de ter em vida.
Fado inglório para alguém que toca tão fundo.
in O efémero da beleza e a evocação da memória na poesia de Konstantinos Kaváfis
Abertamente homossexual, Kaváfis aborda com despudor a paixão. Mas é uma paixão que vive do efémero (...)
A poesia de Kaváfis é sempre uma de distanciamento e evocação, um olhar sobre a juventude a partir da velhice, um foco nos detalhes que a memória reteve, um olhar para o passado tanto quando os poemas tratam a intimidade como quando pegam na antiguidade clássica.
Aí vemos o outro lado de Kaváfis, o do poeta-historiador, debruçando-se sempre sobre períodos históricos de declínio ou decadência, onde, podendo até estar a festejar-se um feito de grandeza, está subjacente a decadência por vir. É o lado trágico da vida que Kaváfis nos traz através dos episódios que faz ressoar pelo tempo.
in O efémero da beleza e a evocação da memória na poesia de Konstantinos Kaváfis
À época não era vulgar nem o estilo, nem os temas sobre os quais Kaváfis se debruçou nas várias facetas que exibe ao longo destes 145 poemas, mais não fosse pelo seu carácter homossexual abertamente assumido, ainda que seja importante relembrar que a intimidade do que escrevia era dirigida para o seu círculo de amigos mais próximos; pouco mais gente a eles tinha acesso.
Como já referido, junto aos efebos, Alexandria é musa do poeta, sendo impossível distanciá-lo tanto da cidade como do mundo helénico, das influências da cultura e civilização grega em praticamente tudo o que nos rodeia.
Nos seus poemas vemos as grandes batalhas de Esparta, ou de Alexandre, o Grande, tal como, ao mesmo tempo, não podemos deixar de ver a perfeição da estatuária helénica, com inúmeras referências não só à escultura grega como à perfeição estética a ela associada.
in O efémero da beleza e a evocação da memória na poesia de Konstantinos Kaváfis
Sendo uma poesia que diversas vezes se move pelos domínios da prosa, parca em floreados e metáforas, torna-se muito fácil cair na tentação de a considerar de fácil tradução, independentemente das diferenças entre o português e o grego.
Mas, mesmo com um recurso à rima muito pouco frequente, essa mesma escassez acaba por atribuir aos poemas um ritmo muito particular, com constantes variações de métrica e de cadência, até pelos poemas em que usa o seu “tango”, como lhe apelidou o também poeta Giórgos Seféris, uma composição onde, como explica Manuel Resende no prefácio, “o verso é partido a meio (facto assinalado por um espaço em branco maior no hemistíquio) sendo ambas as metades fortemente ritmadas por três tempos fortes.
in O efémero da beleza e a evocação da memória na poesia de Konstantinos Kaváfis