(...) Apoderou-se de mim uma fúria de viajar. Mas acima de tudo queria voltar à Grécia que foi para mim o deslumbramento inteiro e puro e onde me senti livre e com asas. A felicidade grega, felicidade do mundo objectivo, sem a menor mancha de caso pessoal, é qualquer coisa de imaginável e da qual só o Homero dá uma ideia (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
(...) Mas os templos gregos só são compreensíveis situados no mundo que os rodeia. A ligação entre a arquitectura e o ar, a luz, o mar, os promontórios, os espaços é total. E essa ligação é simultaneamente racional e misteriosa, profundamente íntima.
Há também na Grécia uma atmosfera extremamente primitiva, um misto de doçura e de austeridade, de afinamento exacto e de rudeza. E uma identidade entre o físico e o metafísico.
De certa maneira encontrei na Grécia a minha própria poesia «o primeiro dia inteiro e puro - banhando os horizontes de louvor», encontrei um mundo em que eu já não ousava acreditar. Agora tenho o espanto de o saber real e não imaginado. O que eu sabia da Grécia adivinhei-o através de pedras, pinhas, resinas, água e luz. Mas apenas como fragmentos dispersos que a minha imaginação reuniu. Ali encontrei as coisas todas inteiras e presentes na sua unidade. Não estou a falar só de coisas, mas da ligação do homem com as coisas (...).
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
(...) Não tento descrever-lhe a Grécia nem tento dizer-lhe o que foi ali a minha total felicidade. Foi como se eu me despedisse de todos os meus desencontros, todas as minhas feridas e acordasse no primeiro dia da criação num lugar desde sempre pressentido. Sobre a Grécia só o Homero me tinha dito a verdade: mas não toda. O primeiro prodígio do mundo grego está na Natureza: no ar, na luz, no som, na água (...)
O que há de extraordinário ali é que o mistério é a luz do sol. Na Acrópole ao meio-dia, com o sol a pino, toda a gente fala em voz baixa. Os próprios turistas, tão exuberantes em Itália, ficam transformados. (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
Quem lê ou leu Sophia sabe da sua paixão muito pouco secreta pela Grécia e por tudo o que é grego.
E em pleno desabafo, numa carta escrita a Jorge de Sena que consta do livro Correspondência - Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena, revela a leitura que fez de Cavafy:
Gostei muito de receber as traduções tuas do Cavafy que muito agradeço. O Cavafy parece às vezes um discípulo do Ricardo Reis, mas está longe da perfeição e da «dicção total do Pessoa», é mesmo um pouco «terra à terra» e tem um helenismo muito helenístico. Os versos dele têm muito charme mas parecem uma cópia. O que ele diz é muito estereotipado. Mas é uma poesia que evoca um ambiente - um mundo quente envelhecido e rouco - um mundo helenístico com muita literatura de «fin de siècle». A imaginação do Cavafy é mais uma imaginação de romancista do que uma imaginação de poeta.
Sophia aguçou a minha curiosidade e comecei a ler este poeta grego, considerado um dos mais importantes poetas gregos do século XX.
(...) O Francisco e eu estamos os dois bastante exaustos da vida dura. Eu começo a sentir-me incapaz de fazer tudo o que quero fazer. Ser ao mesmo tempo poeta, mulher do D. Quixote e mãe de cinco filhos é uma tripla tarefa bastante esgotante. Eu nunca aceitei que fosse preciso escolher entre a poesia e a vida pois ambas me parecem a mesma coisa. Mas agora sinto-me completamente incapaz de fazer tudo, de cumprir tudo o que me aparece.
Há dias aconteceu-me isto: comecei a escrever um poema à tarde, mas fui tão interrompida que desisti. À noite tentei acabá-lo mas estava cansada demais e dispersa em mil bocados. No dia seguinte de manhã fui com a cozinheira à praça. E de repente no meio dos peixes, das couves e das galinhas pensei que precisava de parar um minuto, um minuto de férias sem cálculos nem contas. Então mandei à cozinheira que fosse ela comprando os legumes e «fugi» para o café da praça e pedi um café ao balcão. Enquanto estava a tomar o café lembrei-me do poema da véspera e pedi ao empregado que me emprestasse um papel e um lápis. Foi assim que consegui acabar o poema num misto de pausa e euforia. Depois fui a correr comprar a fruta! Isto é a minha vida! Mas às vezes fica tudo mal escrito e mal vivido. (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
Perdoe-me, se pode o meu silêncio. Mas eu já não sei que fazer para aguentar o trabalho incrível que é e cada vez mais vai sendo o meu. Todos os dias penso nas cartas que preciso de escrever àqueles que estão sempre presentes no meu coração, e todos os dias sucumbo ao peso das urgências atropeladas de tudo o que tenha aceitado fazer. Se, nestes últimos meses, eu não estivesse livre da direcção do Curso de Letras de que me demiti, não sei como estaria vivo...
(...) Cada vez mais penso que Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece. Nós todos é que precisamos que nos salvem dele. (...)
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
Aqui estou maravilhada sobretudo com as Meninas do Velázquez e depois com o Goya, Dürer, Greco. Mas as Meninas são uma inacreditável obra-prima: obra de eternidade, tempo, silêncio, suspensão, espaço, realismo, geometria, magia: a união de todos os valores abstractos com todos os valores concretos(...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
(...) Miguel Ângelo domina Florença. Domina-a com a sua profunda amargura e com aquela grandeza quase inacreditável que é a medida verdadeira do homem. (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares