Para vilão, vilão e meio
A tranquilidade e a presunção de Vrônski colidiram - para vilão, vilão e meio - com a fria sobranceria de Aleksei Aleksândrovitch.
in Anna Karénina de Lev Tolstoi
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A tranquilidade e a presunção de Vrônski colidiram - para vilão, vilão e meio - com a fria sobranceria de Aleksei Aleksândrovitch.
in Anna Karénina de Lev Tolstoi
É interessante como Anna e Vrônski têm as mesmas sensações quase em simultâneo, sendo por enquanto, nestas páginas do livro, praticamente dois desconhecidos.
Uma das cenas em que o senti de uma forma mais acentuada foi a do regresso de Anna Karénina, enquanto caminha em direcção ao marido que a espera na estação.
Quando ela o observa já não o vê da mesma maneira, aliás começa a sentir uma certa aversão por ele.
«Ah, meu Deus! Porque é que as orelhas dele ficaram assim?», pensou, olhando para a sua figura fria e imponente, e sobretudo para a cartilagem que, sustentando-lhe as abas do chapéu redondo, a impressionaram de repente.
E Vrônski revela uma aversão mais animalesca quando o vê:
Ao ver Aleksei Aleksândrovitch com a sua fresca cara petersburguense e a sua figura rigorosa e segura de si, com chapéu de coco e costas um pouco salientes, acreditou nele e experimentou uma desagradável sensação, semelhante à que teria experimentado uma pessoa cheia de sede que chegasse finalmente a uma nascente e descobrisse nesse manancial um cão, uma ovelha ou um porco a beberem e a turvarem a água.
É aqui que a realidade de Anna e Vrônski começa a alterar-se irremediavelmente.
Já não vêem o mesmo que todos à sua volta vêem.
Apenas a si próprio concedia o direito incontestável de a amar.
in Anna Karénina de Lev Tolstoi
Ao ver Aleksei Aleksândrovitch com a sua fresca cara petersburguense e a sua figura rigorosa e segura de si, com chapéu de coco e costas um pouco salientes, acreditou nele e experimentou uma desagradável sensação, semelhante à que teria experimentado uma pessoa cheia de sede que chegasse finalmente a uma nascente e descobrisse nesse manancial um cão, uma ovelha ou um porco a beberem e a turvarem a água.
in Anna Karénina de Lev Tolstoi
Na página 117 de 793.
A atracção que começa a despontar entre Anna e Vrônski é daquelas fatalidades incompreensíveis até para os próprios deuses.
Dois vazios cósmicos em colisão prestes a explodir numa contradição absoluta.
Ainda não sei neste momento o que acontecerá a seguir, mas desconfio que aquilo que têm em comum será o mesmo que os irá separar.
Enquanto Anna regressa a casa, o comboio embala a sua existência de um lado para o outro, questionando tudo o que sabia ou pensava saber, lançando-a num conflito: se morri para a vida ou se a quero viver; a prisão de quem sou ou a liberdade de quem quero ser.
Olhava para as pessoas como para objectos. Um jovem nervoso, funcionário de um tribunal de circunscrição, no lugar em frente dele, ganhou-lhe ódio por causa deste seu ar.
in Anna Karénina de Lev Tolstoi
- Não sabia que o senhor ia de viagem. Porque viaja? - disse ela, baixando a mão com que acabara de se agarrar à barra. E a alegria, a irreprimível animação brilhava no seu rosto.
- Porque viajo? - repetiu ele, olhando-a nos olhos. - A senhora sabe muito bem: vou para estar onde a senhora está. Não o fazer é impossível para mim.
in Anna Karénina de Lev Tolstoi
Estou neste momento na página 97 de Anna Karénina e as ironias deliciosas de Tolstoi já se fizeram sentir.
Anna chegou e está na casa dos Oblônski com uma missão: tentar convencer Dolly, sua cunhada, a perdoar as indiscrições do marido.
Até que ponto este conselho é genuíno sem estar contaminado pelas convenções sociais? E o que seria de Dolly, uma mulher a sós com os filhos em pleno século XIX? E até que ponto o dito perdão não será apenas uma mera aceitação do ciclo repetitivo a que o marido irá expô-la no futuro?
Mas Anna é uma mulher cheia de contradições e o conselho que dá talvez não o seguisse ela própria.
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