Por isso, levou-o Numitor consigo, mas, ao chegar a casa, pôs-se a considerar melhor, e não sem admiração, aquele belo jovem que em altura e em força corporal ultrapassava todos os outros; e, percebendo-lhe no rosto uma segura constância, uma ousadia e firmeza de coragem tais que não se dobrava nem se espantava por nenhum perigo que visse diante dos olhos, e ouvindo também contar as suas obras e feitos correspondentes ao que via, mas principalmente, na minha opinião, incitado por alguma secreta inspiração dos deuses, que lançavam o fundamento de grandes coisas, começou, parte por conjectura e parte por casualidade, a suspeitar da verdade: perguntou-lhe, assim quem era e quem eram o seu pai e a sua mãe, falando-lhe com voz mais doce e semblante mais humano do que antes, para assegurá-lo e dar-lhe boa esperança.
Numitor não ousou mandar puni-lo com a sua autoridade privada, porque lhe temia o irmão, que era homem terrível; mas foi perante ele e pediu-lhe com grande instância que lhe fizesse justiça, não permitindo que ele, que era seu próprio irmão, fosse assim ultrajado pela sua gente.
Não havia aquele na cidade de Alba que não achasse muito mal o agravo de Numitor dizia haver-lhe sido feito e que não dissesse publicamente que não era uma personagem que se devesse assim ofender; de maneira que Amúlio, levado por essas razões, entregou-lhe nas mãos Remo, para puni-lo tal como bem lhe parecesse.
Mas um dia, enquanto Rómulo estava impedido em algum sacrifício, porque era homem devoto, gostava de sacrificar aos deuses e empenhava-se na arte de adivinhar e predizer as coisas futuras, os pastores de Numitor encontraram casualmente Remo mal acompanhado: precipitaram-se então subitamente sobre ele e houve golpes dados e gente ferida de uma parte e outra; todavia, os de Numitor foram por fim os mais fortes e, tomando-o consigo, levaram-nos imediatamente à presença de Numitor, e alegaram várias queixas e acusações contra ele.
Rómulo e Remo cresceram, fortes e robustos, numa comunidade de pastores, comerciantes e agricultores, e, Plutarco conta que, conhecendo Numitor, este ajudaria discretamente os pais adoptivos.
Quando os gémeos se tornaram homens, Fáustulo revelou-lhes as circunstâncias em que foram encontrados e quem era o seu avô. Os jovens, que já tinham assumido a liderança de um pequeno grupo de seguidores, foram em busca de Amúlio, matando-o e devolvendo a Numitor o trono de Alba Longa.
Todavia, afigurava-se que Rómulo tinha mais senso e entendimento do que o irmão, pois em todas as coisas que precisavam decidir com os vizinhos, no tocante à caça ou aos limites das pastagens, dava evidentemente a conhecer que nascera para comandar e não para obedecer.
Depois do nascimento das duas crianças, Amúlio quis que ambos morressem e ordenou que fossem afogados nas águas do rio Tibre, mas quem tinha sido encarregue de os matar, em vez de os fazer desaparecer, abandonou-os à sorte numa cesta, que colocou nas águas do rio.
A corrente transportou-os até um lugar onde crescia uma árvore sagrada, o Ficus ruminalis, uma figueira silvestre consagrada a uma divindade indígena, Rumina, protectora dos lactentes. Do nome desta deusa, que deriva da palavra latina ruma – que significa úbere e também colina –, poderiam derivar também os nomes de Rómulo e Remo, os quais, segundo a lenda, foram amamentados por uma loba.
Assim logo se mostrou a beleza dos seus corpos e, somente de se lhes verem o talhe e os traços do rosto, viu-se também de que natureza seriam; mas, à medida que foram crescendo, a coragem lhes cresceu também, e tornaram-se homens seguros e ousados, de sorte que não se perturbavam, nem se espantavam de modo algum com qualquer perigo que se lhes apresentasse diante dos olhos.