A Escrava que não é Isaura versus A Escrava Isaura
A nove páginas do fim dest' A Escrava que não é Isaura que tem acompanhado os meus dias friorentos e, antes de ler a última página, queria desmistificar a coincidência (ou a não coincidência) deste título com o do livro de Bernardo Guimarães A Escrava Isaura.
Aliás, não há coincidência, mas um propósito de Mário de Andrade ao intitular este seu livro com uma analogia à obra de Bernardo Guimarães.
A Escrava Isaura surgiu em 1885, oito anos antes do nascimento de Mário de Andrade que, ao escrever a sua Escrava que não é Isaura, nunca teve qualquer intenção de criticar ou comentar a obra de Bernardo Guimarães.
O único ponto que os une é o conceito de escravidão, em que para Mário de Andrade a escrava é a poesia, por isso não é a Isaura, a mulher, como foi para Bernardo Guimarães.
Aliás, Mário de Andrade na sua parábola, que consta das primeiras páginas do livro, compara a poesia com Eva, a primeira mulher bíblica.
Segundo ele, o primeiro homem, depois da criação de Eva, plagia Deus tirando da língua uma mulher que ficou nua no topo de um monte. Adão envergonhou-se da sua nudez e colocou-lhe uma parra. Depois passou Caim e cobriu-a com um “velocino alvíssimo”.
As gerações seguintes continuaram a exacerbá-la com vestes e adereços inúteis até que um dia passa um vagabundo, Rimbaud, que dá um pontapé no monte, onde estava Eva (a poesia), e fá-lo desmoronar. E assim surgiu a poesia em toda a sua nudez e esplendor, a mulher "escandalosamente nua" que os poetas modernos começaram a reverenciar.