A outra metade do génio
Apetece dizer que Mécia de Sena, que tinha o canudo em Letras que a Sena sempre foi apontado como falta inexpiável, foi muito mais que a esposa zelosa, o «anjo eficaz» de Jorge de Sena ou a «viúva prodigiosa». Foi a outra metade do génio.
Outro dos seus méritos é ter sido aquele raro fermento sem o qual é de supor que a obra de Sena não teria crescido até ao altíssimo ponto que conhecemos.
Baptista Bastos sublinhou, numa crónica, o facto de Mécia ter proporcionado ao marido tudo quanto ele necessitava para produzir uma obra absolutamente invulgar: «Cuidou do silêncio numa casa cheia de filhos; defendeu a privacidade de um escritor que sabia, como poucos, conversar com a eternidade das coisas; organizou a economia doméstica de um lar onde a abundância nunca fora sobejo; evitou o atrito, as mortificantes quezílias quotidianas; andou com ele de um para outro lado, sofrendo as vicissitudes de uma vida invulgarmente desafiadora.
Mécia de Sena foi, sempre; e esteve, sempre.». E talvez valha a pena lembrar que estar sempre com as duas pessoas que Sena, numa carta-desabafo datada de 1947, logo diz à futura mulher ser, não seria fácil: “uma amável, dedicada, inteligente, etc., e outra que tem vontade de morder, dizer e fazer asneiras, deitar bombas, etc.» Nunca se cansou de amar o menino travesso e o homem colérico, e de apreciar as suas qualidades.
in Mécia de Sena (1920-2020). A outra metade do génio por Teresa Carvalho