Ternuras, mimos, palavras doces, que lhe ouvisse só para gatos
Na rua, caminhavam lado a lado, sem dar o braço. Até porque do braço dele pendia um guarda-chuva que mantinha uma distância regimental.
O namoro acabou, não sei quando. Mas ao longo da vida esse guarda-chuva perdurou, não como objeto utilitário, mas como reserva de privacidade, resguardo de emoções que Augusto Abelaira só deixava transparecer relativamente a acontecimentos ou ideias. Muito raramente em relação a pessoas. Ternuras, mimos, palavras doces, que lhe ouvisse só para gatos.
E, no entanto sabíamos que era um homem sensual.
Daí que agora, depois do seu desaparecimento, rememorando os anos de convívio e relendo o que escreveu, não resista a um pequeno exercício mental tanto a seu gosto e me interrogue sobre se para ele os amigos foram verdadeiramente amigos, se os amores foram verdadeiramente amores ou simplesmente personagens úteis ao diálogo que ele manteve com o mundo, esse mundo que ele questionou incessantemente. Personagens às vezes simpáticas, fascinantes, mesmo. Outras terrivelmente maçadoras.
Augusto Abelaira não escondia o fastio do tributo a que o convívio o obrigava.
in Augusto Abelaira: não só mas também de Maria Antónia Palla