Considero a humanidade um defeito completo
Escrevi longamente ao Ramos Rosa, a quem devia duas cartas.
Disse-lhe: Quanto a essa inocência que me diz ter perdido politicamente, que perdê-la seja por si só um mal, não creio. Em sentido restrito, em tudo como no amor, é preciso começar por perdê-la. Mas não superar esta perda, isso, sim, que é um mal: análogo ao do adolescente que faz a sua virtude do horror que lhe causaram as primeiras experiências do amor. O que, manifestamente, não é virtude nenhuma.
Eu tenho para mim que o nosso dever de intelectuais é compreender até que ponto as coisas são mais e insubstituivelmente como são.
As ideias são pensadas e vividas por seres humanos, que não julgo defeituosos senão na medida em que considero a humanidade um defeito completo.
Diário 1953-1954 - 30/1/54
in Diários de Jorge de Sena