24
Set21
Cujas mãos são tantas quantas as dores de que se veste o amor
Pietà de Avignon, séc. XV, Museu do Louvre, Paris
A todo o instante,
aos olhos marejados ou ressecos,
que a geometria acesa sob as vestes
dos que estão vivos inda e as cabeças
de todos que já mortos ali vivem,
fitem com desespero ou com prazer das formas,
ninguém senão o morto, que se alonga rígido
e, ao mesmo tempo, desdobrado ao colo,
tem pés, naquele quadro cujas mãos são tantas
quantas as dores de que se veste o amor.
Uns pés que não caminham nunca mais
e que libertos se balouçam sobre
a terra glutinosa em que se alastram mantos.
Excerto do poema Pietà de Avignon
Metamorfoses (1963)
in Poesia II de Jorge de Sena