Daquele silêncio aterrador das ruas de Berna
Cartão postal de Berna presente na pasta de cartas de Clarice @ www.myswitzerland.com
O que me salvou da monotonia de Berna foi viver na Idade Média, foi esperar que a neve parasse e os gerânios vermelhos de novo se reflectissem na água, foi ter um filho que lá nasceu, foi ter escrito um de meus livros menos gostado, A cidade sitiada, no entanto, relendo-o, pessoas passam a gostar dele; minha gratidão a este livro é enorme: o esforço de escrevê-lo me ocupava, salvava-me daquele silêncio aterrador das ruas de Berna, e quando terminei o último capítulo, fui para o hospital dar à luz o menino.
Berna é uma cidade livre, por que então eu me sentia tão presa, tão segregada?
Eu ia ao cinema todas as tardes, pouco importava o filme. E lembro-me de que às vezes, à saída do cinema, via que já começara a nevar. Naquela hora do crepúsculo, sozinha na cidade medieval, sob os flocos ainda fracos de neve - nessa hora eu me sentia pior do que uma mendiga porque nem ao menos eu sabia o que pedir.
in Lembrança de uma fonte, de uma cidade
A Descoberta do Mundo (Crónicas) - Clarice Lispector