Desejo, é sol e ramos secos de árvores longínquas, silêncio de mim próprio
Eis-me contemplando ansioso o quadrado luminoso da janela em casas e ruído invisível, ou, encandeado pelo Outono translúcido, os objectos familiares arrumados, embora dispersos, mas calmos. Sobe de mim uma voz que procura, que percorre os armazéns da angústia, da alegria, da memória, escolhe e não encontra nada ou ninguém de quem seja o cântico. E, no entanto, canta suavemente, ou não, não canta, é véspera de canto, modulação futura, suspensão harmónica, desejo, é sol e ramos secos de árvores longínquas, silêncio de mim próprio, sem música, sem tema, é vago entoar de gesto, um ar de dança, claridade, um estar presente, navegar de outono sobre as nuvens em fio.
Poema Véspera de Canto
Pedra Filosofal (1950)
II Poética
in Poesia I de Jorge de Sena