E publicado o livro, o autor enjoa-o, está cansado, é incapaz (tem medo até) de o abrir
E publicado o livro, o autor enjoa-o, está cansado, é incapaz (tem medo até) de o abrir. De modo que, anos depois, quando uma reedição o obriga a debruçar-se outra vez sobre essa obra que, afinal, nunca verdadeiramente lera, que apenas escreveu, o livro agora lido terá ainda alguma relação com o livro anteriormente escrito?
Porque aquelas palavras negras (eram azuis quando o autor as dispôs irregularmente sobre o papel), perfiladas ao longo de umas centenas de páginas que já perderam a brancura inicial, distanciadas pelo tempo, estão mudas e sem memória, só num ou noutro momento revivem e recordam ao romancista que foi ele quem as lá pôs.
in Prefácio para todas as improváveis edições futuras escrito a propósito da segunda edição
Os Desertores (1960) de Augusto Abelaira