Eu, cá atrás, confundida, aflita, com vontade de chorar, de fugir
Só a Matemática... Porquê letras onde antes havia algarismos? Para que servia isso? Porque tinha também de aprender aquilo?
Na escola primária, na Aritmética havia problemas difíceis, ainda assim todos os cálculos se faziam sobre coisas conhecidas: saber a quanto saía cada laranja, dado o preço de uma dúzia, ou qual a capacidade de um tanque para onde deitava água uma torneira com um caudal de tantos litros durante certo tempo.
Mas o complemento aritmético, as raízes quadradas, as potenciações, as complicadas expressões com parênteses rectos e curvos, letras, números, numa misturada de somas e subtracções... Para quê? Porquê?
Junto do quadro negro a professora, de lentes grossas, cara chupada e triste (morreria daí a dois meses, tuberculosa) enchia o quadro dessas complicadas expressões, enquanto falava, falava. Apagava, tornava a encher delas o quadro e a mais falar. Tudo rápido, longínquo, estranho, sem realidade, sem razão de ser. Eu, cá atrás, confundida, aflita, com vontade de chorar, de fugir.
in Memórias da Escola Antiga (1981) de Natália Nunes