Foi-se-me um dia a saúde...
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo.
- Manuel Bandeira -
Manuel Bandeira conta muito sobre si nos versos que escreve. Basta desbravar cada palavra que declama para descobrir os seus quês, os seus porquês, os seus porque não.
Por isso, nada melhor que partilhar os seus versos, partilhando assim a vida que viveu, particularmente a sua doença que o assolou durante muitos anos: a tuberculose.
A doença fê-lo viver provisoriamente, num não-viver constante, o medo da morte sempre presente, sempre inquietante, e como se não bastasse vivê-lo, escreveu-o em verso.
A doença revelou-se quando estudava arquitectura na Escola Politécnica de São Paulo. Interrompeu os estudos para se tratar e esteve um ano, de 1913 a 1914, num sanatório em Clavadel, Suíça
Como ainda não havia um bom curso de arquitetura no Rio (eu queria ser arquiteto) fui estudar em São Paulo. Aos 18 anos, nas férias do 1º ano para o 2° da Politécnica, fiquei tuberculoso. Durante muitos anos vivi provisoriamente. Hemoptises, tosse, febre, desesperança. Em junho de 1913 segui para um sanatório suíço (Clavadel). Meu pai ganhava um conto e novecentos. A passagem, ida e volta, custava 900 mil réis. O sanatório, com balcão e quarto, 360 mil réis que valiam 600 francos suíços. Lá fiquei até outubro de 1914.
Foi durante a sua estadia no sanatório de Clavadel que escreveu os seus primeiros poemas, perante as dores da sua condição humana. Manuel Bandeira nunca pensou que iria sobreviver à doença como viria a confessar mais tarde no seu poema Pneumotórax:
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
A Primeira Grande Guerra fez com que voltasse antes do previsto, em 1914, e o diagnóstico médico não lhe foi favorável:
Com a guerra o franco dobrou e eu não pude continuar lá.
Foi quando perguntei ao Dr. Bodmer: “Quanto tempo de vida o senhor me dá?”
A resposta: “O senhor tem lesões teoricamente incompatíveis com a vida, mas nenhum sintoma alarmante. Pode durar uns cinco… dez anos”.
Este pequeno interlúdio com o Dr. Bodmer viria mais tarde a ser transformado em versos do mesmo poema Pneumotórax:
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Mas contra todas as probabilidades o poeta iria viver até os 82 anos, sempre com a angústia da morte a pesar-lhe nos ombros. Manuel Bandeira nunca acreditou que teria uma vida longa.
Ao voltar da Suíça eu era um inválido.
Voltei. Mal tinha dado pra conhecer Paris. Só 44 anos depois pude voltar à Europa. Aqui no Rio eu ficava até tarde, deitado na praia, no Leme, diante das recriminações de todos. Em 1917 publiquei meu primeiro livro, “A Cinza das Horas”, 200 exemplares me custaram 300 mil réis.
Quando Manuel Bandeira publicou o seu primeiro livro de poesia A Cinza das Horas, não tinha qualquer intenção de começar uma carreira literária. Como viria a confessar, apenas queria "dar-se a ilusão de não viver inteiramente ocioso". Só se assumiu plenamente como poeta muito mais tarde:
A partir de “Libertinagem” é que me resignei à condição de poeta.
No seu poema Testamento, viria a confessar:
Criou-me, desde eu menino,
Para arquitecto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquitecto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!