Homero é, portanto, o educador de toda a Grécia
Aqui, sim, pode ver-se a Grécia com mais Sophia. Apetece ler baixinho o verso que batizou com o
nome do local: Na nudez da luz (cujo exterior é o interior)/ Na nudez do vento (que a si próprio se
rodeia)/ Na nudez marinha (duplicada pelo sal)/ Uma a uma são ditas as colunas de Sunion.
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Uma das dádivas da Grécia é uma certa capacidade de espanto. Uma harmonia daquilo que noutras
geografias seria inconciliável. De repente do nada, numa interrupção abrupta no tédio de galgar quilómetros pouco menos que iguais entre si, revelam-se pequenos aglomerados de casas coloridas, encarrapitadas na montanha de pedra. Como se não houvesse mais chão na terra. Delfos aproxima-se.
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Nesta Grécia habita um povo educado por poeta: Homero. No tempo em que a formação era feita com base na memória não livresca, as histórias -e a sua moral - eram passadas oralmente.
Com uma melodia e ritmo próprios, o canto dos poetas fixa-se. Impregna passado e futuro. Na Jónia e em Atenas, Homero torna-se o grande livro que se explica, se dita e se aprende de cor." Assim se cultivam gerações inteiras, inspiradas pela llíada e pela Odisseia.
Homero é, portanto, o educador de toda a Grécia", um apurador das virtualidades do seu povo. Não se limitando a contar batalhas e aventuras marítimas, deixava como herança a perseguição de um ideal humano, muitas vezes simbolizado em mitos que reuniam em si unidade, religião, vida, comportamento ético e sentido da beleza.
in Sophia de Mello Breyner Andresen de Isabel Nery