Misturar propositadamente a realidade e o sonho, o conjunto e a singularidade…
A instabilidade externa pontua a agitação íntima numa metamorfose, que antecipa e justifica a profunda alteração das circunstâncias do mundo.
Daí a preocupação de Jorge de Sena, como romancista, distanciado no tempo, em misturar propositadamente a realidade e o sonho, o conjunto e a singularidade…
E assistimos assim à sucessão de uma guerra e de um armistício entre Jorge, o protagonista, e as suas memórias, quando o país e o mundo mudam intensamente. E os anos trinta anunciam com nitidez esse contraste entre a ilusória placidez interna de um Portugal ameaçado, mas incrédulo, e a proximidade de uma grande tragédia que, como sabemos, vai ser global, sem se conhecer se seríamos também envolvidos no drama anunciado.
De qualquer modo, avista-se no horizonte o negrume da morte… O certo é que “a imprevisibilidade não era senão o sinal de que o maior horror da responsabilidade estava em não poder haver responsabilidade alguma”. E, ao cair do pano, com a ameaça irónica de uma intentona sem sucesso, vislumbramos a estranha contradição entre o medo e a angústia das tragédias imprevisíveis. E é a própria responsabilidade que se desvanece, perante a negação da liberdade.
in CNC por Guilherme d’Oliveira Martins