Não contes com mais nada senão morte
Não contes com mais nada senão morte.
Se tens família, amando-te sem dúvida,
inteiramente dedicada a ti que seja ou é,
não penses que não és constante imagem
sem desculpa alguma de andar pela casa,
um pouco vacilante, às vezes suplicando
uma pílula, alguma companhia, ou mesmo atrevendo-te
a fazer referências tidas de mau gosto
à espada que para onde vás segue suspensa
sobre a tua cabeça. Porque ninguém, ninguém,
até contraditoriamente porque te amam,
suportam que nã sejas quem tu eras,
mas só morte adiada, o que é diverso
de horror de um cancro que não se sabe
quando matará mas é criatura de respeito,
crescendo em ti como se estiveras grávido.
Excerto do poema Aviso a cardíacos e outras pessoas atacadas de semelhantes males
Poemas Dois "Poemas só Pessoais" (1977-1978)
in 40 Anos de Servidão de Jorge de Sena