Natália Nunes | Ao Menos um Hipopótamo
A linha que separa a lucidez da loucura tem a forma de um hipopótamo.
No maravilhoso prefácio deste livro, escrito por José Saramago, a loucura apresenta-se:
«Quando o homem passa da razão para o sonho, aí se deveria acender um sinal vermelho, aí deveriam tocar campainhas de alarme e entrar em funcionamento sistemas de segurança... Porque a seguir virá a loucura, esse mundo temeroso onde os objectos se movem e escarnecem, onde em fundos subterrâneos se abrem túneis viscosos e pútridos, povoados de larvas e de suspeitos movimentos. Onde é possível surgir até, patinhando na lama confusa do cérebro, a roncar, um hipopótamo...
Constantemente ameaçada, a razão resiste aos assaltos do absurdo. Protege-se, defende-se, recorre à tranquilidade das normas e das regras, aceita mesmo a fluidez dos mitos. De qualquer graveto faz uma lança, de uma nuvem uma muralha, do vazio do espaço uma abóbada firme.»