Nunca a vi ter medo e se o teve não o mostrou
Lisboa, 31 de Dezembro de 1967
Caríssimo Jorge
(...) Graças a Deus morreu lúcida e calma sem grande sofrimento pois o coração falhou antes que a falta de ar se tornasse aflitiva.
Morreu numa espécie de serenidade deslumbrada e depois da extrema-unção disse-me «Estou contente». Mas apesar de tudo creio que ainda tinha uma certa ilusão, uma esperança discreta de viver. Ao contrário do que acontece nesta doença tinha embelezado extraordinariamente, estava cor de rosa e luminosa, parecia mais nova e liberta do peso e da confusão dos anos.
Nunca a vi ter medo e se o teve não o mostrou. Na véspera de morrer pediu-me que lhe lesse uns versos meus de que ela sempre tinha gostado, uns versos que estão no Dia do Mar, «Há jardins invadidos de luar». (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares