O poeta é um escutador
Fernando Pessoa dizia: «Aconteceu-me um poema.»
A minha maneira de escrever fundamental é muito próxima deste «acontecer». O poema aparece feito, emerge, dado (ou como se fosse dado). Como um ditado que escuto e noto.
É possível que esta maneira esteja em parte ligada ao facto de, na minha infância, muito antes de u saber ler, me terem ensinado a decorar poemas. Encontrei a poesia antes de saber que havia literatura. Pensava que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento do natural, que estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar muito quieta, calada e atenta para os ouvir.
Desse encontro inicial ficou em mim a noção de que fazer versos é estar atento e de que o poeta é um escutador.
in Arte Poética - IV
Dual - Sophia de Mello Breyner Andresen