O povo português é muito mais culto que os intelectuais de Lisboa
Sophia marca o seu território com a desfaçatez e o sarcasmo que lhe eram conhecidos. Aliás, contra as «mãos horrorosas dos fascistas», a poeta entendia que só havia uma arma: o humor. Quando lhe perguntam o que achava de uma certa senhora salazarenta, respondeu, em tom irónico, que a achava boa, inteligente, séria, culta e bem-educada, fazendo que até os amigos da dita senhora tivessem de dar uma gargalhada.
«É o único sistema: rir de quem nos quer matar.»
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Os ditadores - é sabido - nāo olham para os mapas. As suas excursões desmesuradas fundam-se em confusões. O seu ditado vai deixando jovens corpos mortos pelos caminhos.
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Argumentando com o primor e autenticidade do que encontrara nas palavras de um homem simples, defende a perspetiva de cultura que devia pautar a vida dos portugueses. Não a cultura dos museus, mas a das pessoas:
Tudo começa por aquilo que se entende realmente como cultura. Para mim só é cultura a cultura da inteireza, a que implica não só o que um homem sabe, mas a sua maneira de ser, de viver e de estar com os outros. Nesse sentido, considero que o povo português é muito mais culto que os intelectuais de Lisboa.
in Sophia de Mello Breyner Andresen de Isabel Nery