O rodar do sol e o mudar das sombras
Com o andar do tempo, D. Felisberta fora-se imobilizando na janela da esquina, junto da qual se sentava numa cadeira baixa, cujo assento de palhinha envelhecera com ela, se polira dela, e só dela adquirira o recôncavo ligeiramente aguçado pelas suas nádegas ossudas.
Aí ficava não apenas horas, que as não havia na vida solitária de D. Felisberta, mas o rodar do sol e o mudar das sombras, a passagem de criaturas que nem acabava conhecendo ou esperando que passassem, a chuva que corria para as sarjetas levando papéis e detritos, as janelas que se abriam, as outras que se fechavam, o acender do candeeiro da esquina fronteira, e, para a direita do seu horizonte, o troço de rua sem saída (...)
Excerto do conto A Janela da Esquina
in Antigas e Novas Andanças do Demónio (1960 e 1966)
de Jorge de Sena