Ontem, ainda me olhavas de frente
Ontem, ainda me olhavas de frente,
mas agora sempre torces o olhar!
Ontem, até à hora dos pássaros ficavas comigo
e todos os falcões são agora corvos!
Como sou imbecil, e tu tão sábio,
tu, cheio de vida, eu, como uma estátua.
De todos os tempos, oh, esta feminina queixa:
«Querido, de que sou culpada?»
E de água tem as lágrimas, o sangue
de água, - e lavou-se em sangue e em lágrimas!
O amor não é mãe mas sim madrasta:
não esperes dele juízo nem clemência.
A algum sítio levam os barcos
os amados, os leva o caminho branco...
Há um gemido ao longo da terra:
«Amado meu, de que sou culpada?»
Ainda ontem, deitado aos meus pés,
pensavas que eu era poderosa como a China!
As duas mãos, de súbito, me largaste -
e caiu-me, como uma antiga moeda, a vida!
Marina Tsvetaeva
Excerto in Poetas Russos, antologia de Manuel Seabra