Os calendários mudam, são diversos
Os calendários mudam, são diversos,
povos contaram o tempo de outra maneira,
mas mais curtos ou mais longos desde sempre,
os anos passam. Como medida em que os dias
morrem agrupados numa série que mais longa
morre. Por eles e com eles somos geração
uma após outra que desaparecem. Alguns ficam
na memória, nos museus, ou transformados
em ideias, sonhos, pesadelos, as imagens
do que fomos ou não, quisemos ser ou não.
Os anos passam. Este, como os outros,
está já nos últimos minutos que tão longamente
se não contaram quanto agora contam.
Foi como os outros sempre um ano triste
de mortes e massacres, insensatos crimes,
traições e mesquinhez, maldade e vis paixões,
e algumas guerras encobertas, exilados,
e foragidos, gente espoliada, tudo
o que sempre se fez na humanidade que
existe em nós maligna além aquém de quanto
às vezes nos faz grandes: um gesto, amor,
a música, e a bondade, as artes, toda a fé
seja em que for de puro e de profundo,
num só que se dedica, em todos que no dia
a dia vão perdendo o tempo que lhes resta.
Excerto do poema «Os calendários mudam...»
VIII (1974-1975)
in 40 Anos de Servidão de Jorge de Sena