Tal como Alice, de mão dada com o Chapeleiro Louco, Adília sai do seu País das Maravilhas para escrever nas paredes do mundo real. Do outro lado do espelho vive o seu próprio enigma, enredada na lógica do absurdo do que é a vida.
Ando a partilhar com toda a gente a sua irreverência quase grosseira de brincar com as palavras e com os seus leitores. Está-lhe no sangue esta criatividade genial de falar verdade a mentir, palco personificado, em que dificilmente distinguimos ficção da realidade.
Comentei com alguém, algures, esta peculiaridade da diversidade feminina que habita em Adília.
Sei que não sou Pascal! A net deve estar cheia de coisas destas. O que acho engraçado é ter descoberto isto como descobri: por acaso, por uma brincadeira com o bolo de aniversário.
Estes meus pequenos cálculos babilónicos caseiros parecem contar carneiros para adormecer, mas a mim divertem-me e talvez ao fim do dia me façam dormir melhor.
O que nos desarma em Adília Lopes é a impressão de que a mulher-a-dias desatou a escrever poesia. A estranheza que nos causa é a da erudição inesperada de uma doméstica, com todas as suas questões práticas e filosóficas passadas pela estética crua de versos sem um propósito de beleza, apenas a pragmática anotação dos tópicos. A poesia de Adília Lopes surpreende exatamente pelo despido modo de dizer, tornando todas as coisas em pontos de uma enumeração ferida no seu potencial emotivo. O que se diz, por mais importante, impertinente, descarado, íntimo, indizível, torna-se simples e sincero como se ficasse imediatamente destituído da sua característica inicial. O que se diz é vertido para o poema como um atributo do poema que não pode mais regressar à realidade, sob pena de sucumbirmos à despudorada tentação de estarmos a ler, afinal, um diário que não é mais secreto.