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Livrologia

Livrologia

03
Dez23

Eram essas as horas doces do pensamento.

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Esta mulher [mãe de António Gedeão]  lia, escrevia, recitava, era «curandeira» de fama, deitava as cartas e era espírita. É verdade!

Quando, a meio da tarde se sentava na sua poltrona, os filhos por ali a fazer qualquer coisa, e ela a dormitar ou a pensar ou a ver algo por detrás das pálpebras sempre com um sorriso que se lhe desenhava na expressão tranquila, toda a casa dormitava. Eram essas as horas doces do pensamento.

in Rómulo de Carvalho / António Gedeão - Príncipe Perfeito de Cristina Carvalho

03
Dez23

Ai Silvina, ai Silvininha

Lindos olhos tem Silvina,

lindas mãos Silvina tem,

e a cintura de Silvina 

é fina como o azevém.

Em Silvina tudo exala 

um cheiro de coisa fina,

mas o que a nada se iguala 

é a fala de Silvina


A doce voz de Silvina

é como um colchão de penas,

é um fio de glicerina,

um vapor de águas serenas.

 

- Porque não cantas, Silvina?

Se a tua voz é tão doce

talvez cantada que fosse 

mais doce que a glicerina.

Porque não cantas, Silvina?

 

- Não me apetece cantar 

e muito menos para ti.

Eu sou nova, tu és velho,

já não és homem para mim.

 

- Não me tentes, Silvininha,

que eu já não te olho a direito.

Sou como um ladrão escondido 

na azinhaga do teu peito.

 

- A azinhaga do meu peito 

corre entre duas colinas.

O ladrão do meu amor 

tem pé leve e pernas finas.


- Canta, canta, Silvininha,

uma canção só para mim.

Dar-te-ei um lençol de estrelas,

uma enxerga de alecrim.

 

- Deixa o teu corpo estendido 

à terra que o há-de comer.

A tua cama é de pinho, 

Teus lençóis de entristecer

 

- Canta, canta, Silvininha, 

como se fosse para mim.

Dar-te-ei um escorpião de oiro 

com um aguilhão de marfim.

 

- Não quero o teu escorpião,

nem de ouro nem de prata.

Quero o meu amor trigueiro 

que é firme e não se desata.



- Pois não cantes, Silvininha,

se é essa a tua vontade.

Canto eu, mesmo assim velho, 

que o cantar não tem idade.

Hás-de tu ser morta e fria, 

cem anos se passarão,

já de ti ninguém se lembra 

nem de quem te pôs a mão.

Mas sempre há-de haver quem cante

os versos desta canção:

Ai Silvina, ai Silvininha,

amor do meu coração.

Ai Silvina, ai Silvininha

 in Máquina de Fogo 1961

in Obra Completa de António Gedeão

25
Nov23

E falava do que tinha acabado de ler

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Esta mulher (mãe de António Gedeão) lia, escrevia, recitava, era «curandeira» de fama, deitava as cartas e era espírita. É verdade! Quando, a meio da tarde se sentava na sua poltrona, os filhos por ali a fazer qualquer coisa, e ela a dormitar ou a pensar, ou a ver algo por detrás das pálpebras sempre com um sorriso que se lhe desenhava na expressão tranquila, toda a casa dormitava. Eram essas as horas doces do pensamento.

Depois do descanso, tornava a pegar no livro que tinha poisado no colo e lia. E falava do que tinha acabado de ler, explicava tudo e compunha uma nova história a partir dali ouvida sempre com muita atenção pelos seus filhos que, entretanto, se aproximavam...

in Rómulo de Carvalho / António Gedeão - Príncipe Perfeito de Cristina Carvalho

25
Nov23

Saluti a Vincenzo

Isto de a gente sorrir, de cabeça inclinada

sobre o ombro direito,

para uma tela sarapintada

sem forma nem jeito,

só porque tem luz,

só porque tem cor, 

é signo de graça, 

é sinal de amor.

Saluti a Vincenzo

 in Máquina de Fogo 1961

in Obra Completa de António Gedeão

19
Nov23

Rosinha era uma pessoa extraordinariamente interessante

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Rosinha era uma pessoa extraordinariamente interessante.

Olhando para o seu rosto podia perceber-se que estava presente alguém com uma intuição e uma maneira de ser muito diferente do habitual, naquela época em que as mulheres eram e estavam recolhidas nas suas conchas abrigadas e tinham um ar bastante indiferente ao que as rodeava, a não ser, e quando existia, aquela acção especial dedicada à casa e à família.

in Rómulo de Carvalho / António Gedeão - Príncipe Perfeito de Cristina Carvalho

19
Nov23

Lágrima de Preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

Lágrima de Preta

 in Máquina de Fogo 1961

in Obra Completa de António Gedeão

13
Nov23

Na sua casa respirava-se leitura e poesia

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Rosinha devorava livros. Era intensa e verdadeira a sua paixão por literatura. Por isso, os seus filhos, animados e envolvidos por esse entusiasmo, naturalmente deixavam-se embalar nas horas ternas e doces pela voz da mãe que contava o que lia, linha após linha, página a página, romances uns atrás dos outros.

Na sua casa respirava-se leitura e poesia.

As irmãs, principalmente Noémia Olga, a mais velha, há muito que escrevia versos que fazia publicar nos jornais. 

in Rómulo de Carvalho / António Gedeão - Príncipe Perfeito de Cristina Carvalho

13
Nov23

Amador sem coisa amada

Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chão.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mão.

Quando a angústia embaciar
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.

Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial.
Sou amador da existência,
não chego a profissional.

Amador sem coisa amada

 in Máquina de Fogo 1961

in Obra Completa de António Gedeão

Quanto mais leio menos sei
Tudo o que escrevi para o Desafio de Escrita dos Pássaros está aqui!
Já começou a viagem pelo mundo da Gata Borralheira.
Cinema e literatura num só.
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