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Livrologia

Livrologia

13
Jun24

Grande parte da poesia de Gedeão parte de um núcleo de transparência da intenção

ANTGEDEAO.png

Grande parte da poesia de Gedeão parte de um núcleo de transparência da intenção (reflexo, talvez, do futuro optimismo dos cientistas em geral, que professam ter inventado o futuro da humanidade) a um escurecimento metafísico, como que a sugerir
que o pensamento poético deve finalmente amadurecer no sonho, e não no meridional da clareza do escrutínio científico.

O destino de um complexo ato cognitivo está, portanto, a ocorrer.

Excerto de An Introduction to the Poetry of António Gedeão

de Christopher Damien Auretta

13
Jun24

Poema sem Esperança

Toda a esperança que tive a dividi

por quantos a quiseram receber.

Deles espero agora que a devolvam

com novo rosto e acrescentando juro.

A esperança era fingida, toda feita

de conscientes manhas e de enganos,

tão bem arquitectada que passava

por sincera, vivida, verdadeira.

Era uma esperança imposta, necessária

para as voltas dos dias e das noites,

sem roupagens, sem véus, sem adereços

como na estatuária se apresenta.

Uma esperança sem esperança, alimentada

a soro e drogas no hospital das letras:

no escuro, ensimesmada como um feto;

na luz, extravasada como adulto.

Transferindo-me a outros me recolho

e me fico, de ouvidos apurados,

num solitário andar entre automóveis

nas poluídas ruas da cidade.

 

Poema  sem Esperança

Poemas Póstumos 1983

in Obra Completa de António Gedeão

08
Jun24

A poesia de Gedeão desenvolve uma complexa ironia epistemológica

ANTGEDEAO.png

Em última análise, a poesia de Gedeão desenvolve uma complexa ironia epistemológica, que é particularmente visível naqueles poemas onde ele traz na proximidade disjuntiva a linguagem de verificação que caracteriza as ciências empíricas e a linguagem finamente modulada de significado incorporado na intensidade do transporte metafórico.
Ele revela assim uma unidade subjacente, embora não inteiramente neutra, de missão mimética operando em todo o real, em todas as suas formas de manifestação e representação simbólica, apesar da natureza ser ostensivamente divergente dos valores de verdade alcançados pela experimentação científica, por um lado, e pela experiência literária, por outro.

Excerto de An Introduction to the Poetry of António Gedeão

de Christopher Damien Auretta

08
Jun24

Poema das Coisas

Amo o espaço e o lugar, e as coisas que não falam.
O estar ali, o ser de certo modo,
o saber-se como é, onde é que está e como,
o aguardar sem pressa, e atender-nos
da forma necessária.

Serenas em si mesmas, sempre iguais a si próprias,
esperam as coisas que o desespero as busque.

Abre-se a porta e o próprio ar nos fala.
As cortinas de rede, exactamente aquelas,
a cadeira onde a memória está sentada,
a mesa, o copo, a chávena, o relógio,
o móvel onde alguém permanece encostado
sem volume e sem tempo,
nós próprios, quando os olhos indignados
nas pálpebras se encobrem.

Põe-se a pedra na mão, e a pedra pesa,
pesa connosco, forma um corpo inteiro

Fecha-se a mão, e a mão toma-lhe a forma,
conhece a pedra, entende-lhe o feitio,
sente-a macia ou áspera, e sabe em que lugares.
Abre-se a mão, e a mesma pedra avulta.

Se fosse o amor dos homens
quando se abrisse a mão já lá não estava.

Poema das Coisas

Poemas Póstumos 1983

in Obra Completa de António Gedeão

04
Jun24

A poesia tem a tarefa única de comunicar os ritmos da vida e da morte

ANTGEDEAO.pngA [poesia] póstuma que Gedeão escreveu é, na verdade, o corredor metafórico que leva a uma visão unificadora final da experiência. É a expressão paradoxal da consciência intensificada do poeta de que ele é testemunha do cosmos, que por sua vez é informado pela contingência absoluta do seu corpo, dos seus desejos e da sua mortalidade.

A poesia tem a tarefa única de comunicar os ritmos da vida e da morte à medida que são vivenciados ao longo de uma existência finita.

António Gedeão oferece a sobreposição de duas ordens fundamentais e fundamentalmente heterogéneas de vida mental. Por um lado, o universo arcaico e recorrente da experiência poética, por outro, o universo explicativo e metodológico da investigação e verificação científica.

Excerto de An Introduction to the Poetry of António Gedeão

de Christopher Damien Auretta

04
Jun24

Poema das Flores

Se com flores se fizeram revoluções
que linda revolução daria este canteiro!
Quando o clarim do sol toca a matinas
ei-las que emergem do nocturno sono
e as brandas, tenras hastes se perfilam.
Estão fardadas de verde clorofila,
botões vermelhos, faixas amarelas,
penachos brancos que se balanceiam
em mesuras que a aragem determina.
É do regulamento ser viçoso
quando a seiva crepita nas nervuras
e frenética ascende aos altos vértices.

São flores e, como flores, abrem corolas
na memória dos homens.

Recorda o homem que no berço adormecia,
epiderme de flor num sorriso de flor,
e que entre flores correu quando era infante,
ébrio de cheiros,
abrindo os olhos grandes como flores.
Depois, a flor que ela prendeu entre os cabelos,
rede de borboletas, armadilha de unguentos,
o amor à flor dos lábios,
o amor dos lábios desdobrado em flor,
a flor na emboscada, comprometida e ingénua,
colaborante e alheia,
a flor no seu canteiro à espera que a exaltem,
que em respeito a violem
e em sagrado a venerem.

 

Flores estupefacientes, droga dos olhos, vício dos sentidos.

Ai flores, ai flores das verdes hastes!
A César o que é de César. Às flores o que é das flores.

Poema das Flores

Poemas Póstumos 1983

in Obra Completa de António Gedeão

31
Mai24

Soneto

Ao Luís Vaz, recordando o convívio da nossa mocidade

Não pode Amor por mais que as falas

mude exprimir quanto pesa ou quanto

mede.

 

Se acaso a comoção falar concede

é tão mesquinho o tom que o desilude.

 

Busca no rosto a cor que mais o ajude,

magoado parecer aos olhos pede,

pois quando a fala a tudo o mais excede,

não pode ser Amor com tal virtude.

 

Também eu das palavras me arreceio,

também sofro do mal sem saber onde

busque a expressão maior do meu anseio.

 

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,

em verdade, em beleza, em doce enleio?

Olha bem os meus olhos, e responde.

Poema Soneto

Poemas Póstumos 1983

in Obra Completa de António Gedeão

24
Mai24

A sobreposição de duas ordens fundamentais

ANTGEDEAO.pngEspecificamente, ele [António Gedeão] oferece a sobreposição de duas ordens fundamentais e fundamentalmente heterogéneas de vida mental.

Por um lado, o universo arcaico e recorrente da experiência poética, por outro, o universo explicativo e metodológico da investigação e verificação científica.

Excerto de An Introduction to the Poetry of António Gedeão

de Christopher Damien Auretta

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