Se alguma coisa a desconsolava tantas vezes, era sentir-se igual a toda a gente, saber que tudo quanto pudesse fazer seria igual ao que já estava feito, e que portanto a sua existência sobre a Terra era inútil.
Mas, concluída a última página, descubro um romance que mais se assemelha a um exorcismo do que a um esforço de entendimento, um livro que é uma tentativa de interferir na História recorrendo a palavras mágicas. Afinal, mas decerto inconscientemente, eu, que me supunha um escritor racional e lúcido, acreditava que bastaria descrever o Futuro de uma certa maneira para que as coisas não acontecessem dessa maneira.
Como se a História, como se o Futuro, contra a minha pretensão de os conhecer decidissem desmentir-me.
Quando António Navas, nessa tarde longinqua de Fevereiro, viu o rei com a cabeça tombada e a rainha a agitar desesperadamente um ramo de flores, pensou: «Foram buscar as balas à minha consciência, era lá que estavam guardadas há muito tempo». Porquê?
Ao ver aqueles três homens, adivinhara sem explicação aceitável que se preparavam para matar o rei. E se pudera pensar numa coisa assim é porque na sua imaginação, e sem que o suspeitasse, as carabinas já estavam apontadas. Não apenas na consciência dele, na consciência de muita gente. «Fui eu, fomos nós: tantas vezes te matámos em pensamento que acabaste por morrer!»
Explicando-me: quando me dispus a reler As Boas Intenções já calculava que iria encontrar uma grande dose de involuntária ingenuidade; mas supunha que para além dessa ingenuidade, um pouco óbvia e sem a qual tudo é impossível, encontraria também um livro lúcido, um livro incapaz, claro estava, de levar os homens à prática da revolução, mas capaz de os tornar mais conscientes, o que já não era mau.
Digamos: um livro que, fingindo embora debruçar-se sobre o fracasso da revolução republicana de 1910, descreveria, adivinhadoramente, o fracasso da então futura revolução de Abril.
Augusto Abelaira discute nesta peça de teatro o valor real dos factores históricos para a realização do destino humano, acentuando temas como o egoísmo, a fraternidade, a cobardia, a coragem, a idolatria pelo poder e pelo dinheiro e a necessidade de uma dignidade humana essencial.
As personagens são caricaturas que acham ter poder para mudar o destino, quando este tem vontade própria, impondo-se perante a inevitabilidade