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Livrologia

Livrologia

19
Jun24

A indizibilidade do universo é a minha religião

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Admiro, enalteço e faço as minhas orações à natureza. É a natureza que me comanda a vida, como dizia o meu pai — o sonho comanda a vida e o meu sonho é o universo, que eu não compreendo nem sei.

A indizibilidade do universo é a minha religião.

Na minha infância, não tive convivência com crianças, só com o meu pai e a minha mãe.

Ele [Rómulo de Carvalho — António Gedeão] era um homem solitário, silencioso, que trabalhava sempre de pé. 

Ela [a escritora Natália Nunes], que tem hoje 89 anos, ensinou-me a ler, quando eu tinha três anos, e era muito alegre e extrovertida. Era mais nova que o meu pai 15 anos e viveram 57 anos, um para o outro. Ele adoeceu dois meses antes de morrer, aos 90 anos, com um sofrimento intenso.

Cristina Carvalho

in Pública 22.08.10

17
Jun24

E publicado o livro, o autor enjoa-o, está cansado, é incapaz (tem medo até) de o abrir

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E publicado o livro, o autor enjoa-o, está cansado, é incapaz (tem medo até) de o abrir. De modo que, anos depois, quando uma reedição o obriga a debruçar-se outra vez sobre essa obra que, afinal, nunca verdadeiramente lera, que apenas escreveu, o livro agora lido terá ainda alguma relação com o livro anteriormente escrito?

Porque aquelas palavras negras (eram azuis quando o autor as dispôs irregularmente sobre o papel), perfiladas ao longo de umas centenas de páginas que já perderam a brancura inicial, distanciadas pelo tempo, estão mudas e sem memória, só num ou noutro momento revivem e recordam ao romancista que foi ele quem as lá pôs.

in Prefácio para todas as improváveis edições futuras escrito a propósito da segunda edição

Os Desertores (1960) de Augusto Abelaira

16
Jun24

Não estava nos meus planos produzir prosa num japonês esbatido

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Propunha-me construir um estilo fluente e «neutro», desprovido de ornamentos supérfluos. Não estava nos meus planos produzir prosa num japonês esbatido, mas transmitir ao romance a minha própria voz, utilizando um japonês que se afastasse o mais possível da chamada «linguagem romanesca».

Para tal, tinha de arriscar. Falando com franqueza, naquela altura, a língua japonesa não passava, no meu entender, de um instrumento funcional. Alguns dos que me criticam viram nisso um insulto à língua japonesa.

Todavia, um idioma é, na sua essência, sólido, possuindo uma capacidade de resistência apoiada num longo historial com provas dadas. Independentemente do modo mais ou menos duro como é tratado, a sua integridade nunca fica posta em causa.

Haruki Murakami in Prefácio de Ouve a Canção do Vento (1979)

15
Jun24

Exploração intensiva da imaginação da matéria e dos seus elementos naturais

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Em Finisterra, a linha de fuga de Carlos de Oliveira vai consistir na penetração decisiva numa senda de exploração intensiva da imaginação da matéria e dos seus elementos naturais, desde as profundidades dos estratos geo minerais do planeta aos astros siderais, valorizando conco mutantemente o onirismo e o simbolismo, assim como numa psicologia (mas não analítica, à qual, como disse, somos quase radicalmente avessos), intuitiva e organicista do Desejo e da Paixão, levada até ao nível de uma animitismo incidente sobre as manifestações primárias da vida biológica.

14
Jun24

Falar sobre os homens é exactamente a mesma coisa que falar sobre mulheres

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Nascemos todos iguais.

A educação, a religião e a cultura é que nos fazem distinguir e nos afastam uns dos outros.

Falar sobre os homens é exactamente a mesma coisa que falar sobre mulheres. É indissociável. As mulheres têm rigorosamente as mesmas capacidades intelectuais, diferencia-as apenas a força física.

Há um panteísmo de homens e mulheres que não se pode ignorar: complementam-se. As mulheres têm tido um percurso dificílimo, quase insustentável, de afirmação, de independência, de autonomia. E continuam a ter, porque há religiões e culturas em que continua tudo rigorosamente na mesma, ou pior ainda.

O mito da costela de Adão é muitíssimo machista, não sei quem o inventou. Saíste da costela do Adão e portanto, minha amiga, serás sempre isso. Há aí uma distorção intencional. Não sei nada de religião, não fui educada religiosamente.

Cristina Carvalho

in Pública 22.08.10

13
Jun24

Grande parte da poesia de Gedeão parte de um núcleo de transparência da intenção

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Grande parte da poesia de Gedeão parte de um núcleo de transparência da intenção (reflexo, talvez, do futuro optimismo dos cientistas em geral, que professam ter inventado o futuro da humanidade) a um escurecimento metafísico, como que a sugerir
que o pensamento poético deve finalmente amadurecer no sonho, e não no meridional da clareza do escrutínio científico.

O destino de um complexo ato cognitivo está, portanto, a ocorrer.

Excerto de An Introduction to the Poetry of António Gedeão

de Christopher Damien Auretta

12
Jun24

Uma das múltiplas faces do acto de escrever

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Até o momento em que mandam para a tipografia as últimas provas, quantas vezes lêem os romancistas os seus romances?

Um número sem conta, decerto. Mas essas leituras não são verdadeiramente leituras, são ainda uma das múltiplas faces do acto de escrever. 

in Prefácio para todas as improváveis edições futuras escrito a propósito da segunda edição

Os Desertores (1960) de Augusto Abelaira

11
Jun24

Aquilo representou uma experiência nova e estimulante

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Após o jogo (a equipa dos Swallows ganhou, se bem me lembro), apanhei o comboio até Shinjuku, comprei uma resma de papel branco e uma caneta de tinta permanente. Ainda não havia computadores pessoais nem processadores de texto, como é bom de ver, o que significava que tinha de escrever à mão, alinhando um carácter após outro.

Aquilo representou uma experiência nova e estimulante. Recordo perfeitamente a minha alegria e o meu entusiasmo. 

Haruki Murakami in Prefácio de Ouve a Canção do Vento (1979)

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