Bem, isso vem, em grande parte, de que, em Portugal, ainda existe, e existiu, e em grande parte desde o Romantismo, a ideia de que o escritor é assim um génio pela graça dos deuses, e que quanto mais analfabeto seja mais o génio sai puro.
Acontece que quando um sujeito é analfabeto o que sai é analfabetismo, não pode sair outra coisa, porque não tem lá mais nada para dizer à gente. E mesmo que tenha para dizer à gente ele não sabe como é que há-de dizer, e sai tudo errado, sai tudo trocado, sai tudo coxo, etc. As pessoas gostam muito porque isso é precisamente o sinal do génio, mas o pior é o que acontece aos génios.
Eu lembro sempre aquela frase famosa de Fernando Pessoa que dizia assim: «Em Portugal, os poetas produzem como Deus é servido, e Deus fica mal servido.»
Excerto da entrevista Rádio Clube de Moçambique, 19 de Julho de 1972 por Leite de Vasconcelos (difusão proibida pela censura)
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
A crítica tem uma grande tendência para acreditar nas proclamações dos escritores sem verificar se as proclamações acertam com as obras e vice-versa. E, na realidade, uma das funções da crítica não é apenas acreditar nisso; é verificar se essas coisas são verdades. Mas a nossa crítica está tão ocupada em verificar se as pessoas cabem na bitola ou não cabem na bitola, que não tem tempo para verificar essas coisas.
Excerto da entrevista Rádio Clube de Moçambique, 19 de Julho de 1972 por Leite de Vasconcelos (difusão proibida pela censura)
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
Eu diria o seguinte: primeiro que tudo, eu creio que, salvo em raros momentos excepcionais, o grande drama da literatura portuguesa - e é, até certo ponto, a teoria que eu tenho dela - o grande drama da literatura portuguesa foi sempre um grande afastamento da realidade concreta, e que resulta das próprias estruturas sociais do nosso país.
Acontece, e isso vê-se até mesmo nos escritores que pretendem ser mais populistas, que, de um modo geral, as pessoas, quando se tornam escritores, imediatamente, ou automaticamente, do ponto de vista social, deixam de ser povo. E quando deixam de ser povo, automaticamente deixam de saber como é que o povo fala e vive. Daí resulta grande parte do artificialismo que mesmo o maior realismo português usualmente tem. Vem de as pessoas realmente terem perdido contacto com a realidade social imediata, para passarem a vê-la sob o prisma dos níveis oligárquicos de que passaram a fazer parte.
E isto aplica-se a toda a gente, de todas as cores e feitios, que todos sofrem ou têm sofrido da mesma doença. Só os grandes, realmente, os muito grandes, são os que conseguiram ultrapassar esse drama.
Excerto da entrevista Rádio Clube de Moçambique, 19 de Julho de 1972 por Leite de Vasconcelos (difusão proibida pela censura)
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
E se agente passar a vida todas as semanas a ler 80% de porcarias e 20% de obras boas, a gente acaba por medir as coisas boas pelo nível da porcaria, não é?
Excerto da entrevista Rádio Clube de Moçambique, 19 de Julho de 1972 por Leite de Vasconcelos (difusão proibida pela censura)
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
Bem, eu creio o seguinte: que quando nós estamos de longe temos pelo menos uma possibilidade que é escapar àquele problema que sempre existe de, no meio da floresta, não se ver a floresta por causa das árvores. E também aos erros de perspectiva que faz a gente julgar que uma árvore pequenina que está ao pé de nós é muito grande, e que uma árvore muito grande que está longe de nós é muito pequenina. E é exactamente isso: quando a gente está de longe vê-se melhor, corrigem-se melhor as coisas.
Excerto da entrevista Rádio Clube de Moçambique, 19 de Julho de 1972 por Leite de Vasconcelos (difusão proibida pela censura)
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
É uma outra verdade de que em Portugal muita gente ainda não se convenceu: as línguas pertencem a quem as fala e a quem as escreve - não aos gramáticos.
Os povos não falam bem nem mal: falam. E, se eles não falassem, a língua não havia.
Excerto da entrevista Notícias, Lourenço Marques, 16 de Julho de 1972 por Filipe Vieira
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço
A América, proporcionalmente à população, não lê tanto como Portugal. Parece uma afirmação sensacionalista, mas é assim.
O americano lê muitas revistas do tipo magazine e jornais locais, mas só compra livros quando estes se tornam importantes e entram no circuito das edições populares. Neste caso, atingem enorme expansão.
De resto, o americano não tem o culto da biblioteca.
Quando eu vim da Universidade de Wisconsin para Santa Barbara, pus como condição, no contrato, que a universidade devia encarregar-se do transporte dos inúmeros livros que compõem a minha biblioteca pessoal. Este meu pedido causou uma verdadeira surpresa em Wisconsin. Nunca algum professor tinha formulado semelhante pedido. E chegaram a dizer-me: mas porque não vende os seus livros aqui em Madison e, depois, compra outros em Santa Barbara? É claro que esta atitude, que um intelectual europeu recebe com um choque, tem uma explicação. Os americanos possuem bibliotecas públicas magníficas e em grande número. Qualquer livro pode ser requisitado para casa pelo cidadão sem o menor encargo. As bibliotecas das universidades são completíssimas. O americano pensa: para quê ter em casa uma biblioteca que ocupa espaço, se tenho todos os livros que quiser na biblioteca pública?
Nós não pensamos assim.
Excerto da entrevista Diário Popular, Lisboa, 30 de Junho de 1971 por Nuno Rocha
in Entrevistas 1958-1978, edição de Mécia de Sena e Jorge Fazenda Lourenço