Admiro, enalteço e faço as minhas orações à natureza. É a natureza que me comanda a vida, como dizia o meu pai — o sonho comanda a vida e o meu sonho é o universo, que eu não compreendo nem sei.
A indizibilidade do universo é a minha religião.
Na minha infância, não tive convivência com crianças, só com o meu pai e a minha mãe.
Ele [Rómulo de Carvalho — António Gedeão] era um homem solitário, silencioso, que trabalhava sempre de pé.
Ela [a escritora Natália Nunes], que tem hoje 89 anos, ensinou-me a ler, quando eu tinha três anos, e era muito alegre e extrovertida. Era mais nova que o meu pai 15 anos e viveram 57 anos, um para o outro. Ele adoeceu dois meses antes de morrer, aos 90 anos, com um sofrimento intenso.
Primeiro conhecem-se, depois têm de se achar bonitos, têm de conversar, têm de dar as mãos, têm de se tocar, têm de se encostar, têm de se beijar; os seus olhares têm de se afastar e de se cruzar, de se afastar e de se cruzar, de se afastar e de se cruzar até ficarem irremediavelmente perdidos e presos um no outro.
A educação, a religião e a cultura é que nos fazem distinguir e nos afastam uns dos outros.
Falar sobre os homens é exactamente a mesma coisa que falar sobre mulheres. É indissociável. As mulheres têm rigorosamente as mesmas capacidades intelectuais, diferencia-as apenas a força física.
Há um panteísmo de homens e mulheres que não se pode ignorar: complementam-se. As mulheres têm tido um percurso dificílimo, quase insustentável, de afirmação, de independência, de autonomia. E continuam a ter, porque há religiões e culturas em que continua tudo rigorosamente na mesma, ou pior ainda.
O mito da costela de Adão é muitíssimo machista, não sei quem o inventou. Saíste da costela do Adão e portanto, minha amiga, serás sempre isso. Há aí uma distorção intencional. Não sei nada de religião, não fui educada religiosamente.
Não há muito que fazer nesta época do ano aqui à volta de Uppsala. E não é por causa do tempo frio, nem por causa das poucas horas de luz do dia, nem por causa da noite gelada... É porque, simplesmente, a vida é simples e fácil. É até fácil demais. E é por isso mesmo que os novos, não tendo quase nada com que se ocupar, pretendem conhecer a cidade maior, a grande e próxima cidade de Estocolmo.
Ali sim, há mar, há casas muito altas, há padarias, há lojas de lenha e de carvão, há alfaiates pois há muita gente a vestir, há sapateiros pois há muita gente a calçar e há muitas outras profissões desconhecidas para a gente como nós que vem da província.
Graças a um estilo ático, numa escrita fluente e bem ritmada, a autora de O Gato de Uppsala proporciona uma leitura fácil e atraente.
Na sua simplicidade artística, O Gato de Uppsala propõe leituras diversas na história que conta. Há uma visão polissémica da natureza, do amor, da humanidade e da animalidade.
A narrativa apresenta um sentido iniciático que unifica as personagens e os elementos naturais em que vivem e que as envolvem.
Esta é uma história de amor entre dois jovens, Elvis e Agnetta, uma história feliz de iniciação, de descoberta e sonho: a viagem, a pé, desde Uppsala até Estocolmo, movidos pelo desejo de descobrir o mistério do mar e de ver uma das maravilhas do seu tempo – o grande e rico Vasa – navio de guerra mandado construir por Gustavus II Adolphus, rei da Suécia. Quis o destino que, no dia 10 de Agosto de 1628, dia da viagem inaugural, a vida de Elvis e Agnetta fosse salva por um gato.
Como se vê, estas aventuras podiam ser intemporais, passadas nos dias de hoje ou há cem, duzentos, quatrocentos anos. As cidades crescem, consegue-se mudar o curso dos rios, inventa-se muito, fala-se com novas palavras, vamos existindo, vamos existindo...
Uma coisa é certa: as pessoas são sempre as mesmas e os seus sentimentos não mudam nem mudarão, a não ser que um dia deixe de haver pessoas, o que pode acontecer.
Visto desta forma, porém, o “Vasa”, cujo primeiro passeio fez com que as pessoas da história de Carvalho fizessem uma peregrinação a Estocolmo, é também um símbolo – também da ruptura com a natureza e da arrogância humana que desrespeita as leis da natureza. (…)
Aqui o navio torna-se símbolo de um novo tempo, uma partida para novos horizontes, em alto mar, que aos olhos dos dois errantes ainda está repleto de lendas e maravilhas, tão grandes e infinitas que só podem ver a vida em um navio. Pode pintar como um conto de fadas.
Agora, até um rapaz jovem e forte para entrar na floresta tem de ter um bom motivo, coisa que antigamente, no tempo dele, não era preciso. Qualquer um lá ia sem nenhuma razão especial. Qualquer um lá ia sem temor e sem razão.
Por que diabo era agora preciso ir à floresta e revelar coragem?
Até porque dantes havia situações muito mais difíceis... agora a floresta, oh oh oh!