Acabei de ler Derzhavin, mas não queria passar para o próximo poeta sem aqui deixar algumas curiosidades que me esqueci de referir e que não queria deixar cair no esquecimento. São meros apontamentos aleatórios, alguns engraçados, outros singulares:
Não, Derzhavin não foi assado no forno com batatas, mas andou lá perto
Foi-lhe dado o nome de Gabriel, porque nasceu 10 dias antes da celebração do Arcanjo Gabriel a 13 de Julho na Ortodoxia Eslava.
Era uma criança doente e os seus pais seguiram a tradição da época de assar o bebé (перепекание ребенка), uma cerimónia ancestral em que os bebés prematuros ou doentes são colocados numa pá de padeiro que é colocada dentro e fora do forno três vezes. Isto porque o fogão tradicional russo era considerado um análogo do útero feminino. Colocava-se a criança no forno (que não estava quente) para se refazer, visto que se acreditava que, se uma criança nasce prematura ou doente, significava que ela não tinha amadurecido no ventre da mãe e que tinha de lá regressar para sobreviver e encontrar a vitalidade necessária.
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Derzhavin, o choramingas
Pouco antes da sua morte, Derzhavin participou no exame final de um jovem poeta em ascensão, Aleksandr Pushkin, que na altura mal tinha entrado na adolescência. Ao ouvir os versos de Pushkin dedicados ao liceu em Tsarskoe Selo no qual estava a formar-se, Derzhavin dominado pela emoção derramou lágrimas de aprovação.
Esse momento histórico viria a ser considerado simbolicamente a transição entre as duas épocas literárias na Rússia: entre o século XVIII e a chamada era de ouro da literatura russa.
Derzhavin, um homem viciado em detalhes
Ao contrário de outros poetas classicistas, Derzhavin adorava detalhes, inclusivé os mais fúteis, como a cor de papel de parede do seu quarto, perdendo-se muitas vezes - demasiadas! - na criação de um inventário poético das suas refeições diárias.
A poesia e as memórias de Derzhavin apresentam um retrato rico e complexo do seu tempo, empregando um diverso conjunto de tópicos, da guerra à paz, do amor à gastronomia.
Aberto à influência de todas as correntes contemporâneas e confortável com várias perspectivas filosóficas, Derzhavin é lembrado como o poeta que amava a verdade mais do que os reis.
Derzhavin foi, sem dúvida, um dos maiores poetas russos antes de Pushkin, no entanto e apesar da sua poesia revelar uma riqueza universal incomparável, não foi um vanguardista no seu tempo:
A poesia de Derzhavin é um universo de incrível riqueza; a sua única debilidade foi que o grande poeta não foi capaz de se tornar num mestre, nem num exemplo. Ele não fez nada para elevar o nível do gosto literário ou melhorar a linguagem literária; e relativamente aos seus voos poéticos, era obviamente impossível segui-lo por aquelas esferas vertiginosas.
~D.S. Mirsky~
Ainda assim, houve poetas que optaram por seguir os passos de Derzhavin e não os de Pushkin, como Nikolai Nekrasov e Marina Tsvetaeva.
Derzhavin escreve um poema - On The Death of Prince Meshchersky - versos de luto, pelo amigo que partiu, o Príncipe Meschersky.
Mais do que luto, os versos desta ode dramatizam a mortalidade de um homem e a de todos os homens.
Apesar do poeta ter escrito o poema em nome de Meschersky, não o fez com o intuito de chorar por um herói, nem tão pouco pela perda de um amigo, que era apenas um conhecido. Aliás, há que esclarecer que Meschersky nem sequer era um homem socialmente proeminente.
Porquê então uma ode a este homem vulgar?
E porque não uma ode a um homem vulgar?
A finitude da vida pertence a todos os homens, bem como a sua contemplação.