Este é o livro que remata e finaliza o ciclo de leitura de Jorge de Sena.
A sua leitura mais demorada do que o previsto foi finalmente concluída, unindo estes dois escritores que se tornaram tema dos meus primeiros ciclos de leitura de autores portugueses.
Quando leio um autor gosto de fazer leituras paralelas dos seus diários, entrevistas, biografias ou até mesmo correspondência e, com este livro, tive a oportunidade de juntar dois dos autores que mais admiro.
Não só podemos ler palavras de saudade e de ausência de uma profunda amizade, mas também retalhos da vida social de Portugal dos anos 60 e 70.
(...) Pode parecer que estou a misturar indevidamente poesia e vida.
Mas nenhum poeta escreve para fazer uma obra e nenhum poeta escreve para conquistar uma vida imortal, mas sim para conquistar a inteireza e a verdade da sua vida actual. (...) A poesia não inventa outro mundo. Mas procura a verdadeira vida. E por isso Jorge de Sena definiu a poesia como sendo «a fidelidade integral à responsabilidade de estar no mundo».
Por isso a sua poesia é uma poesia de resistência não apenas no sentido corrente e directamente político da palavra, mas uma poesia que resiste a tudo quanto deforma ou inverte ou desfigura a vida humana. (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
(...) Tomámos há muitos séculos um caminho errado e não creio que levar o erro mais longe seja uma forma de progresso. A questão está na forma como emtendemos o Evangelho. (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
(...) Creio que a beleza destes teus versos é serem uma construção de contradições, tão complicada e tensa que é milagre que se equilibre, mas que no entanto toma e retoma o seu fio, e, percorrendo todos os seus labirintos, regressa sempre ao interior de não sei que gruta povoada de ressonâncias. É uma poesia em contínuo estado de construção e destruição na vontade de enfrentar tudo e de dizer-te tudo. Uma dicção que a si mesma se quer impiedosa, por se querer total.
Mas conjugada com um desejo de grandeza e esplendor. Como alguém que reconhece a ruína e constrói à sua roda o palácio. (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
(...) A impressão que cada vez mais tenho é a de que, de certa altura em diante, na vida, nós começamos a viver como o Rilke dizia que os anjos se sentiam: sem saber se estamos entre vivos ou entre mortos, porque as pessoas desaparecem, transformam-se em memória, e a gente vai ficando numa cada vez mais estranha irrealidade em que a maioria dos vivos não faz parte do nosso mundo que atravessam como espectros secundários, enquanto o espaço vazio se acumula de espectros autênticos que precisamente são os que deixaram de existir. (...)
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
(...) Graças a Deus morreu lúcida e calma sem grande sofrimento pois o coração falhou antes que a falta de ar se tornasse aflitiva.
Morreu numa espécie de serenidade deslumbrada e depois da extrema-unção disse-me «Estou contente». Mas apesar de tudo creio que ainda tinha uma certa ilusão, uma esperança discreta de viver. Ao contrário do que acontece nesta doença tinha embelezado extraordinariamente, estava cor de rosa e luminosa, parecia mais nova e liberta do peso e da confusão dos anos.
Nunca a vi ter medo e se o teve não o mostrou. Na véspera de morrer pediu-me que lhe lesse uns versos meus de que ela sempre tinha gostado, uns versos que estão no Dia do Mar, «Há jardins invadidos de luar». (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares
(...) E quando será possível estarmos de novo juntos? Não haverá, neste tempo de tantas viagens, um congresso que nos reúna?
O Francisco e eu estamos bem mas sempre afogados de problemas. A vida todos os dias sobe de preços, e as dificuldades multiplicam-se. Mas os nossos filhos crescem, o Verão foi um esplendor e o Outono tem sido um dos mais maravilhosos Outonos que vi na minha vida. O Francisco e eu vagueamos em grandes praias desertas, onde agora graças à ponte, se chega em meia hora. E também estivemos no Algarve, nas praias mitológicas da Ponta de Piedade. E no ano passado, como sabe, além de estarmos em Roma que adorámos, passámos os dois alguns dias maravilhosos em Paris, no Louvre, na Saint Chapelle, em Notre Dame e nos bares pitorescos onde nos levou o António Dacosta. Mas penso com desespero nisto: para as pessoas como você e como nós a vida está cheia de maravilhas que todos os dias nos roubam. (...)
Sophia
in Correspondência Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner 1959-1978
com organização de Mécia de Sena e Maria Andresen de Sousa Tavares