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Livrologia

Livrologia

18
Jan21

O Último Dia

Crianças riem na varanda, riem

e brincam de maneira que já não são crianças.

 

Hoje não há Sol,

unicamente um céu esbranquiçado e carros que chapinham

e uma luz contínua que não entra dentro

e dentro um cheiro a terra, a pano, a sono, a calor no rosto e nas orelhas.

 

As crianças brincam de pensamento morno,

umas com as outras sem mais nada.

E a ingenuidade, que nunca ninguém tem e lhes falta,

caiu aqui.

 

Este poema está errado.

Se não está, é o mesmo - não termina.

 

Repetir tudo várias vezes até não perceber.

Poema O Último Dia

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

18
Jan21

Manchas

Há no céu

nódoas claras

alastrando e diminuindo.

 

Há na terra

nódoas imóveis

que são escuras.

 

E o que não há

é correspondência entre elas,

umas e outras. 

 

O céu é sempre céu

do modo que quiser.


A terra às vezes não se lembra

e fica em água

- alastra e diminui, 

mas não é terra.

 

Poema Manchas

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

07
Jan21

O nosso complexo de anões

sena4.png

Seria preciso escavar séculos de inconsciente nacional para perceber o que nos torna um povo tão melindroso com personalidades insolentes, génios furiosos, orgulhosos solitários ou simplesmente pessoas que gostam de andar “por caminhos esconsos”.

No documentário que Joana Pontes fez  sobre Jorge de Sena, O Escritor Prodigioso,  o depoimento do artista Fernando Lemos parece tocar no fulcro da questão, designando-o  como  “o nosso complexo de anões”.

Anões que não suportam quando alguém “é mais alto” por isso mandam de imediato que se lhe cortem esses centímetros como “se fossem uma excrescência”. Ora Jorge de Sena tinha esses centímetros a mais não apenas na literatura mas também na academia.

in Jorge de Sena: cem anos a estragar as festas de Joana Emídio Marques

07
Jan21

Como se a noite, se tecesse em estrelas

As mãos perderam a força,

nunca a tiveram a não ser no descanso,

a que havia não dava por isso e chegava,

mas ao sentir os cães ladrando tão perto,

há pouco, onde fui eu buscar

a nobreza que me dirigiu os passos firmes,

me endireitou tão direito,

me fez olhar à volta com ar tão quotidiano,

e mesmo até me segurou o chapéu na cabeça?

Onde a fui eu buscar para ir ali como se a noite,

se tecesse em estrelas

e as ruas em flores de silêncio.

Excerto do poema A Matilha

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

06
Jan21

Elegia

Estreito Nome e curto,

solitário e brando,

na ribeira surto,

no estuário amando.

 

Velas submersas

por temor do linho,

como vão dispersas

rindo o Seu caminho!

 

Julguem-nas de noite, 

balouçando até;

vento que as açoite

não lhes passa ao pé.

 

Julguem-nas de dia;

quantas faltarão?

Quantas faltarão?

Quantas perderia,

se as contasse ou não?

 

Poema Elegia

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

06
Jan21

Sena não se coibia de criticar, por vezes ferozmente, a cena cultural do país

sena4.png

A relação de J. Sena com o Portugal dito culto sempre foi complicada. Por um lado, Sena não se coibia de criticar, por vezes ferozmente, a cena cultural do país. Ele próprio o disse: “não perdoo a ninguém a mediocridade, a estupidez, a vileza, a malignidade, a incultura, a suficiência, a intolerância, o espírito de compromisso, a cobardia moral". Alvo de críticas violentas, boa parte do meio intelectual português não encarava Sena como “persona grata”.

A revista “O Tempo e o Modo” dedicou-lhe em 1968 um número inteiro – mas era uma exceção. Depois do 25 de Abril de 1974 Jorge de Sena veio a Portugal na esperança de ser convidado por alguma universidade. Mas fecharam-lhe as portas, nomeadamente as da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Este lamentável facto acentuou a amargura de J. Sena. Doía-lhe profundamente não ser reconhecido na sua pátria.

Sena foi – hoje é difícil negá-lo – uma pessoa superior. Talvez devesse não valorizar tanto o reconhecimento dos portugueses, ou melhor, a falta dele. Mas este sentimento é muito português. 

in Jorge de Sena de Francisco Sarsfield Cabral

05
Jan21

Estar de cabeça pousada no peitoril da janela

(...)

Contaram-me, quando era pequeno,

a história de várias estrelas,

não a história dos nomes que temo e não conhecem por nós,

sim uma história em que eram estrelas,

verdadeiras estrelas nem pregadas no céu.

 

Muitas vezes, ouvir contar foi só:

estar de cabeça pousada no peitoril da janela

a vê-las tremeluzir...

e tornarem-se mais salientes com o escurecer.

Muitas vezes, foi só

aceitar o frio e fechar a janela

-  e, em pequeno, não era eu quem a fechava.

Excerto do poema Nocturnos

Perseguição (1942)

in Poesia I de Jorge de Sena

O autor português de 2021 é Jorge de Sena
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