Seria preciso escavar séculos de inconsciente nacional para perceber o que nos torna um povo tão melindroso com personalidades insolentes, génios furiosos, orgulhosos solitários ou simplesmente pessoas que gostam de andar “por caminhos esconsos”.
No documentário que Joana Pontes fez sobre Jorge de Sena, O Escritor Prodigioso, o depoimento do artista Fernando Lemos parece tocar no fulcro da questão, designando-o como “o nosso complexo de anões”.
Anões que não suportam quando alguém “é mais alto” por isso mandam de imediato que se lhe cortem esses centímetros como “se fossem uma excrescência”. Ora Jorge de Sena tinha esses centímetros a mais não apenas na literatura mas também na academia.
A relação de J. Sena com o Portugal dito culto sempre foi complicada. Por um lado, Sena não se coibia de criticar, por vezes ferozmente, a cena cultural do país. Ele próprio o disse: “não perdoo a ninguém a mediocridade, a estupidez, a vileza, a malignidade, a incultura, a suficiência, a intolerância, o espírito de compromisso, a cobardia moral". Alvo de críticas violentas, boa parte do meio intelectual português não encarava Sena como “persona grata”.
A revista “O Tempo e o Modo” dedicou-lhe em 1968 um número inteiro – mas era uma exceção. Depois do 25 de Abril de 1974 Jorge de Sena veio a Portugal na esperança de ser convidado por alguma universidade. Mas fecharam-lhe as portas, nomeadamente as da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Este lamentável facto acentuou a amargura de J. Sena. Doía-lhe profundamente não ser reconhecido na sua pátria.
Sena foi – hoje é difícil negá-lo – uma pessoa superior. Talvez devesse não valorizar tanto o reconhecimento dos portugueses, ou melhor, a falta dele. Mas este sentimento é muito português.