Vrônski pertence a um círculo social que preza acima de tudo a elegância, a beleza exterior, as paixões fugazes, o divertimento na sua forma mais pura. Cada mulher que encontra é uma oportunidade de entretenimento. Confunde-as com o seu charme e os seus comentários cheios de malícia, vivendo o momento, sacudindo as consequências com uma risada.
Aliás, Vrônski vive nos antípodas da vida de Anna.
No fundo, Anna representa as pessoas que mais abomina, visto que para ele as relações humanas devem ser motivo de prazer, enquanto que para ela vivem de laços e afectos.
Das conversas, às amizades, tudo exala futilidade e desconexão nas relações humanas de Vrônski, talvez por isso comece a ser assaltado por esta obsessão de roubar Anna para o seu mundo.
- Então, aconselha-me a que lhe encoste uma faca na garganta?
- Exactamente, e de maneira a que a sua mãozinha fique o mais perto dos lábios dele. Assim, ele vai beijar-lhe a mãozinha, e tudo acaba da melhor das maneiras - respondeu Vrônski.
Depois do regresso a casa Anna Karénina regressa ao seu papel entediante de mãe e esposa submissa junto do seu não menos entediante marido.
Estas páginas exalam um aborrecimento tão profundo que eu, como leitora, sinto-o em cada parágrafo, tal como Anna Karénina o sente.
Ela tenta convencer-se de que tem a vida perfeita, mantendo as aparências a todo o custo. As aparências são tudo no meio em que vive, mas a desilusão com a sua própria realidade começa a adensar-se: o fogo parecia apagado, ou então profundamente escondido dela.
Sentia-se aliviada, calma e via claramente que tudo o que no caminho-de-ferro se lhe afigurara muito importante não passava de um dos episódios vulgares e insignificantes da vida mundana, e que não tinha nada que se envergonhar perante ninguém nem perante ela própria.
A emoção e aquele sentimento de vergonha sem motivo que experimentara pelo caminho desapareceram sem deixar rasto. Nas condições habituais da vida, voltou a sentir-se firme e impecável.
Quem é verdadeiramente o bom ou o mau da história? Esta visão simplista não existe com ele.
Todos são bons e maus e, havendo heroísmo ou vilania, Tolstoi reserva-os para o colectivo, não para o indivíduo.
A tranquilidade e a presunção de Vrônski colidiram - para vilão, vilão e meio - com a fria sobranceria de Aleksei Aleksândrovitch.
Por isso, quando Tolstoi deixa atrás de si esta pequena subtileza de que Aleksei e Vrônski possivelmente são ambos vilões, sei que esta vilania estará repleta de acções desprezíveis e abjectas que ambos provavelmente irão perpetrar em prol da sua posição na sociedade.
Individualmente talvez a maldade não os defina, mas a sociedade despertará o que há de pior em cada um deles.