Para além da consciencialização ambiental e do seu carácter pedagógico, esta fábula é, acima de tudo, uma história sobre promessas.
Promessas de um gato a uma gaivota e, uma delas, a mais especial de todas: ensinar uma gaivotinha a voar.
O que é que um gato sabe sobre voar? Nada. E se não sabe, arranja maneira de o saber para cumprir a promessa que fez.
Para este gato e todos os outros gatos uma promessa não é uma simples frase miada, mas um juramento solene, um acto a ser cumprido.
As palavras não são apenas sons que nos saem pela boca, carregam um significado com efeito borboleta. Shakespeare, um dos grandes pensadores da alma humana, descreveu-as melhor que ninguém:
As palavras são como patifes desde o momento em que as promessas os desonraram.
À medida que lemos vamos atrás dos gatos e finalmente chegámos à rua onde se encontra o bazar do Sabetudo. É absolutamente extraordinário!
Lá dentro cabe o mundo inteiro e não queremos sair da página que o alberga.
Queremos olhar para tudo e não sabemos para onde olhar primeiro:
7200 chapéus de abas flexíveis para que o vento os não levasse; 160 rodas de leme de barcos enjoados de tantas voltas que deram ao mundo; 245 lanternas de embarcações que desafiaram os mais espessos nevoeiros; 12 telégrafos de comandos batidos pelas mãos de iracundos capitães; 256 bússolas que nunca perderam o norte;
E isto é apenas uma pequena parte do que encontramos no bazar. Uma pequena parte do mundo aqui escondido e que podemos visitar sem zarpar do porto desta página.
Sabetudo vivia num lugar bastante difícil de descrever, porque à primeira vista podia ser uma desordenada loja de artigos estranhos, um museu de extravagâncias, um depósito de máquinas sem préstimo, a biblioteca mais caótica do mundo ou o laboratório de algum sábio inventor de objectos impossíveis de enumerar. Mas não era nada disso ou, antes, era muito mais do que tudo isso.
in História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar (1996) de Luís Sepúlveda
Um gato e uma gaivota podem ter mais problemas do que imaginaríamos, principalmente se o primeiro for gordo e a segunda estiver perdida do seu bando.
A gordura nunca impedirá um gato de ser gato, mas uma gaivota presa numa maré negra em pleno oceano, não poderá ser gaivota.
Esta maré não é como as outras. Vem do abandono, vem da indiferença, vem da humanidade que negligencia continuamente a natureza, não só a matando, mas também roubando-lhe a liberdade.
Não precisamos de ler muitas páginas deste livro para sentir o seu pulsar ambiental.
Não nos podemos calar e como dizia Luís Sepúlveda todos os silêncios são cúmplices e têm uma quota parte de responsabilidade.