Ler a Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965) foi uma experiência intimista.
Nem com a leitura dos Diários de Jorge de Sena senti tamanha intimidade como neste livro repleto de cartas de amor.
Aliás, é um diário a quatro mãos que relata a vida de Jorge e Mécia em Portugal e no Brasil à época em que trocaram correspondência.
Publica-se aqui toda a correspondência trocada entre Jorge de Sena e Mécia de Sena, durante o período de seu exílio no Brasil, anos 1959-1965. Este corpus epistolar é constituído por 40 cartas de Jorge de Sena, na sua maioria, bastante extensas e 90 de Mécia de Sena, mais curtas.
«Suspensão» de um amor intenso correspondido, registado sistemática e alternadamente, optou-se, para melhor evidenciar essas características, pela apresentação intercalada das cartas conforme à ordem cronológica de sua escrita.
(...) Imagina que o António teve um deslocamento de retina na manhã do casamento, casou semi-cego sem a Flora saber, não houve festa, o Amora e a Helena desesperados, despediam as pessoas, e, em vez de partirem de lua-de-mel, o Tom meteu-os no automóvel, e disseram à Flora que ele entrava no hospital para ser operado de urgência (a Flora teve uma crise de desespero, rasgou o véu o vestido, não é caso para menos – mas resignou-se, declarou que é a mulher dele, e foi ela quem com ele ficou no hospital), e esta, hein?
Estão azarados, coitados!
(...) E para ti vai com a minha saudade e o meu amor o grande e apertado beijo do teu
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
(...) Esta manhã, fui à Cosipa cumprimentar o director, o Plínio de Queiroz (é primo do Eça, pertence ao ramo brasileiro da família, e, revelação sensacional, o incesto dos Maias passou-se com uma tia dele e um tio, história que o Eça conhecia! – nem isto, que toda a gente sempre achou absurdo o Eça inventou!). (...)
Tem serenidade, meu Amor – a estas horas de receber esta carta, por força há muito recebeste tudo. Até breve, querida. Beijos, beijos, beijos do teu do coração que te abraça cheio de saudades.
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
(...) Mas que vida fazes tu aí que cada vez tens menos tempo para me escrever?
Toda a gente pasma quando digo que deixaste de escrever-me com regularidade. Mas porquê Jorge?
Vivo horas de tristeza profunda porque me custa de facto deixar isto, cansada de papéis, de andanças, de telefonemas, de atrasos e ainda por cima nem tenho as tuas cartas que de tudo me compensariam largamente. (...)
Muitos beijos, muitos, meu amor, da tua sempre
Mécia
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
(...) A minha vida e não só ela, como eu próprio, não tem sentido senão em função de ti.
Por ti e para ti, pelo teu amor eu vivo, ou nada valeria para mim – esta é que é a verdade.
És a minha consciência, o meu gosto de viver, a minha dignidade, tudo o que vale a pena. Sem ti, eu faria talvez poemas, e nada mais. Mas fá-los-ia? Acharia que valia a pena fazê-los? Ou apenas sonambulamente vaguearia? Oh meu amor, minha vida que tu és.(...)
Beijos, beijos e saudades do teu que te aperta contra o coração
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
(...) São quatro horas, já passa, e vou sair para deitar-te esta carta no Correio Geral, único sítio em S. Paulo onde se pode deitar uma carta, pois os marcos são raros e não funcionam, e é urgente que a recebas.
Não estou nada melhor da gripe, mas ainda bem que a tive aqui, e não no Rio, onde, se eu ficasse estendido em casa, ninguém daria por isso, nem os amigos que me suporiam partido para cá, sem dar notícia, à brasileira. Não me posso conter de ansiedade em ver-te arrancada daí e às crianças. Logo me sentirei menos só, menos triste, menos angustiado. Que saudades, meu Amor, que vida a nossa! Quantos são bestas e felizes! Nada lhes falta, fazem o que querem e cresce-lhes o tempo! (...)
Beijos, beijos e saudades do teu que te aperta contra o coração
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)
(...) O Ferreira de Castro chegou ontem ao Rio e, logo depois de ele ter saído, houve pancadaria a bordo, entre portugueses e brasileiros de um lado e 3 portugueses que se diz são da PIDE em serviço na Embaixada, segundo os jornais contam, por estes terem proclamado alto, entre os vivórios e os abaixos, que o Brasil precisava era de um homem como… calcularás. (...)
Beijos, beijos e saudades do teu que te aperta contra o coração
Jorge
in Correspondência Jorge de Sena e Mécia de Sena «Vita Nuova» (Brasil, 1959-1965)