O que importa é a parte interior - é a verdade sós a sós comigo, fechado a sete chaves. Mas este conhecimento de si mesmo é um acto difícil. R. B. faz uma verdadeira crítica da possibilidade da introspecção:
Entre mim e mim interpõe-se um muro.
Ninguém sabe do que é capaz, ninguém se conhece a si próprio... A maior parte das criaturas não só se ignoram como não passam nunca da camada superficial.
Qual é o teu verdadeiro ser? Eu mesmo não sei. Dá-me um trabalhão encontrá-lo e acho-me sempre em frente de cacos a que não consigo dar unidade.
in As batalhas que nós perdemos (1973) de Natália Nunes
Se não se passa do inconsciente ao consciente, a pedra espera ainda dar flor, porque a mudança não é de ordem essencial mas gradual, porque se passa de uma Consciência mais simples para uma Consciência mais complexa; é que «talvez exista mesmo para o átomo orgânico, um interior, um querer e um sentir, ou qualquer coisa de mais elementar de onde poderiam sair o querer e o sentir dos seres organizados».
in As batalhas que nós perdemos (1973) de Natália Nunes
Muitas vezes temos a impressão de que os pensamentos lhe acodem como relâmpagos de intuição divinatória em que, como um místico, apreende na hora do êxtase os mistérios profundos do Cosmos, o significado total do Universo; depois transmite-nos esse pensamento em pequenas frases explosivas, sínteses às vezes obscuras, carregadas de sentido profético.
Afigura-se-nos que lhe faltou o fôlego para desfibrar pela razão as suas visões e profecias.
in As batalhas que nós perdemos (1973) de Natália Nunes
Raul Brandão é um escritor filosofante, razão pela qual talvez, apesar do seu valor, não seja um escritor muito conhecido. Os Portugueses, em matéria de literatura, comprazem-se sobretudo no «jogo das formas» ou então no «movimento rectilíneo de superfície» e «nos caminhos luminosos da objectividade», como diz Aquilino Ribeiro.
É verdade que falta nos seus livros, como neste de que nos vamos ocupar e no qual há figuras admiráveis, a trama do verdadeiro romance, a intriga da ficção, certo clima de realidade no ambiente e de concretização nas personagens.
in As batalhas que nós perdemos (1973) de Natália Nunes
É velha superstição nossa, ficcionistas portugueses, fazermos cruzes contra o demónio interior e figas contra as tempestades. Mas enquanto não abandonarmos essa crendice não atingiremos nunca alturas desmesuradas.
in As batalhas que nós perdemos (1973) de Natália Nunes
Já disse: é sobre a instituição tradicional de casamento que ele faz incidir a sua análise e a sua crítica, pois esta é, no domínio individual, a grande cerceadora da experiência e da aventura.
Comecemos pelos «axiomas» respeitantes ao casamento: casar não é já uma necessidade de ordem económica, mas uma loucura. De resto, a vida em família era um refúgio contra a falta de interesses de toda a ordem; a família era, só por si, uma ocupação deveras interessante.
in As batalhas que nós perdemos (1973) de Natália Nunes
Os dois temas maiores dos seus romances-ensaios são aqueles que agitam o espírito de todos os homens conscientes: a justiça social e a felicidade individual.
Em relação aos dois ele não possui a verdade, nem arvora um dogma ou uma utopia, pelo contrário, a sua atitude é ainda e sempre a do homem que, por temperamento próprio e pelo ambiente em que nasceu, se criou e educou, se vê permanentemente na indecisão quanto à acção, na carência de experiência e de aventura, e possui por consequência a tal consciência céptica, pessimista, timorata e inibida.
É sobretudo o problema da inacção que ele nos define e lhe revolve o espírito.
in As batalhas que nós perdemos (1973) de Natália Nunes
Este descrente das «confissões públicas dramaticamente autodesagradáveis», que «não se sente suficientemente desavergonhado para [se] confessar na praça pública», no dia em que recebeu o Prémio Ricardo Malheiros perguntou: «que é um romance senão um exame de consciência que se vai prolongando durante meses e anos, enquanto o autor vai escrevendo?»
in As batalhas que nós perdemos (1973) de Natália Nunes