A minha primeira leitura intencional de filosofia manteve-se longa com todas as voltas e reviravoltas que provocaram atrasos constantes. Os momentos de tranquilidade foram difíceis de encontrar, porque a leitura de filosofia requer calma e silêncio, mas finalmente cheguei à última página.
Apesar da importância do seu pensamento, Nicolau de Cusa nunca foi valorizado no espaço do pensamento europeu, caindo completamente no esquecimento.
Sobre o que escreve Nicolau de Cusa neste seu livro?
Apesar da minha resposta ser redutora, ele escreve sobre o saber do não saber, sobre a apreensão do conhecimento e os seus limites:
Acolhe, pois, como minhas conjecturas, estas descobertas que abaixo exponho, extraídas das possibilidades do meu modesto engenho, através de não pequena meditação, talvez bastante inferiores às maiores fulgurações intelectuais, as quais, embora tema que possam ser desprezadas por muitos, devido à inépcia do meu modo de as comunicar, eu distribuo, todavia, às mentes mais altas, como se fossem alimento não de todo desadequado a ser transformado em ideias intelectuais mais claras.
Os nossos antepassados afirmaram em concordância uns com os outros que a fé é o início do conhecimento intelectual. Com efeito, em qualquer disciplina pressupõem-se coisas como princípios primeiros, que só são aprendidos pela fé, dos quais brota a inteligência do que deve ser tratado. É necessário que todo aquele que quer ascender ao saber creia neles, sendo impossível, sem eles, ascender. Diz efectivamente Isaías: "Se não acreditardes, não entendereis".
Nicolau de Cusa tentou criar uma astronomia que reflectisse as conquistas teóricas daDouta Ignorância e, se observarmos os seus resultados de uma perspectiva da ciência moderna, não foram muito além, é um facto, mas ao interrogar-se sobre o problema do infinito e das suas implicações, ajudou a transformar a metafísica e a apontar os seus limites.
Ao colocar a matemática em foco Nicolau de Cusa revela as suas limitações, bem como a impossibilidade de se alcançarem resultados definitivos quando se trata com o absoluto e com a origem do universo.
Teve a ousadia de retirar conclusões dos seus princípios o que o levou, é certo, a teses ousadas sobre o universo e as suas formas, no entanto, com isso também mostrou que os limites da metafísica são os limites do conhecimento enquanto tal e, por isso, têm impacto em áreas como a cosmologia.
Ao mostrar que não podemos conhecer o absoluto, ele expõe a dificuldade de se pensar o universo partindo da sua origem. O mais próximo que conseguimos chegar é às raízes das coisas, sabendo que elas são uma forma contraída do todo, mas nunca conseguiremos chegar ao todo.
Nicolau de Cusa não quer que abandonemos a nossa busca pelo saber cosmológico, muito pelo contrário, ele indica-nos que nos podemos aproximar infinitamente do saber inalcançável da totalidade, e é exactamente isso que torna a exploração do universo e dos seus significados tão fascinante.
O intelecto, voando mais alto, vê que, ainda que os sentidos se submetessem em tudo à razão, não se deixando arrastar pelas paixões que lhe são conaturais, o homem não conseguiria, todavia, chegar por si ao fim dos seus afectos intelectuais e eternos.
Pode, pois, dizer-se que o mundo de Nicolau de Cusa não é um aglomerado de individuas tomados na sua atómica singularidade, mas uma teia de relações, em que tudo tem a ver com tudo, como o postula a própria metáfora do organismo com que o autor reescreve a sua perspectiva sistémica.
Este paradigma relacional, revisitado no final do século XX coloca-nos, pois, na órbita do pensamento holístico que caracteriza o paradigma que vai emergindo tanto na Biologia, como na Física, na Química ou na Antropologia.
Os sentidos, na sua existência animal, são incapazes das coisas sobretemporais e espirituais. Com efeito, o animal não percebe as coisas que são de Deus, posto que Deus existe como espírito e mais do que espírito.
O intelecto não é do âmbito do tempo e do mundo mas desligado deles; os sentidos são do âmbito do mundo e estão sujeitos aos movimentos no tempo; a razão está como que no horizonte relativamente ao intelecto, mas no zénite relativamente aos sentidos, de modo que nela coincidam as coisas que estão no tempo e acima do tempo.