Parecia certo que este seria o ano da 16.ª mulher a ganhar o Nobel da Literatura, mas apesar de ser uma das poetas mais populares nos EUA, e de ter recebido os principais prémios literários com os 12 livros de poesia que publicou ao longo de 50 anos, Glück sempre se mostrou desconfiada dessa forma de promoção que procura fazer dos escritores celebridades, e mesmo quando, em 2003, foi nomeada poeta laureada, deixou claro que não tinha qualquer interesse em que a sua audiência se multiplicasse”, e que preferia dirigir-se a uma audiência “pequena, intensa e apaixonada”.
Há muito que esta poeta mostrava reservas quanto às grandes honras, a uma visibilidade que muitas vezes destrói a possibilidade de o leitor descobrir uma obra sem se sentir manobrado, e, numa entrevista que deu em 2009, disse: “Quando me dizem que eu tenho um vasto público de leitores, o que penso é: ‘Estou bem tramada, ainda vão fazer de mim um Longfellow’: alguém fácil de entender, fácil de se gostar, o género de experiência diluída que está ao acesso da maioria. Mas eu não quero ser um Longfellow. Tenho pena, as minhas desculpas Henry, mas não quero. Da forma como vejo a glória literária, o que penso é que sinaliza uma falha na obra.”
Ao receber o Nobel, a poeta mostrou-se surpreendida, até atarantada numa entrevista telefónica que foi disponibilizada pela Academia Sueca. Admitiu que era uma grande honra, mas mostrou-se também preocupada com o impacto que a visibilidade possa ter na sua vida e das pessoas que a rodeiam, tendo afirmado que gostaria que a sua intimidade fosse preservada. Reconheceu que uma das primeiras coisas que lhe passou pela cabeça quando soube que tinha ganho o prémio é que ia perder muitos amigos, uma vez que a maior parte deles são escritores.
Quanto ao dinheiro do prémio, às dez mil coroas suecas (cerca de 950 mil euros), diz que poderá finalmente comprar uma casa em Vermont. O Nobel irá multiplicar as traduções da sua poesia e pode ser até que alguma editora portuguesa se aventure a editá-la por cá, não tendo até hoje nenhum dos seus livros merecido tradução para a nossa língua. Mas não é de esperar que a poeta abdique da tranquilidade das suas rotinas e alinhe nesse regime dos escritores que gostam de se pavonear nos festivais literários.
Os pequenos passos tímidos pelas páginas de Knut Hamsun levaram-me primeiro a este conto que, das suas poucas palavras se amplifica numa grandiosidade abismal do que é aparentemente pequeno, mas que se estende pelas vastas planícies do interior do ser humano.
O conto Na Ilha Blåmandsøy conta-nos também das difíceis e complexas relações que se estabelecem entre os habitantes das pequenas ilhas
Como em todas as pequenas ilhas, tudo o que se sente e tudo o que acontece tem um impacto diferente na forma como as pessoas encaram a realidade e se uma pequena alegria poderá traduzir-se no alcançar da plena felicidade, um triste acontecimento ou uma insatisfação poderá desencadear ódios, desejo de vingança e culminar numa tragédia.
Knut Hamsum em Na Ilha Blåmandsøy explora como as relações humanas poderão ser um reflexo da própria natureza envolvente, da mesma forma que nos mostra que o ser humano pode ser escravo dos seus sentimentos e desejos mais obscuros tornando-se na criatura mais solitária de uma pequena ilha, tornando-se também ele uma ilha perdida na imensidão do oceano.
Relativamente à evolução de Hamsun como escritor, é muito mais difícil de descrever o seu percurso evolutivo. Ao contrário de praticamente todos os outros escritores que já viveram, Hamsun parece ter surgido totalmente formado, livre de qualquer tradição literária definível, ou mesmo influências explícitas.
Após um longo período de tempo a escrever juvenilia, Hamsun levantou a sua voz aos trinta e poucos anos - e era diferente de qualquer outra que se tinha feito ouvir.
Segundo Hamsun, a escrita daquele tempo era dominada por volumes com enredos laboriosos cheios de conversa fiada e prosa artificial que continha pouca profundidade psicológica e emocional. Hamsun revoltou-se contra todas essas convenções, tornando-se no líder da revolta neo-romântica no virar do século, resgatando o romance da tendência do naturalismo excessivo.
Utilizando um estilo simultaneamente cortante e surpreendentemente lírico, escreveu pequenas histórias, muitas vezes na primeira pessoa, baseadas menos em acções, e mais focadas nas maquinações complicadas, contraditórias e muitas vezes brutais da mente e do coração humanos.
O resultado foi uma série de romances "psicológicos" de tirar o fôlego, que surpreenderam tanto os críticos como os leitores.
Pesquisa, adaptação e tradução livre do inglês de www.theguardian.com e www.britannica.com
Knut Hamsun, pseudónimo de Knut Pedersen (nascido a 4 de Agosto de 1859, Lom, Noruega - faleceu a 19 de Fevereiro de 1952, perto de Grimstad), romancista, dramaturgo e poeta norueguês, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1920.
Nascido pobre na Noruega rural, Hamsun passou a maior parte da sua infância no remoto Hamarøy, condado de Nordland, e praticamente não teve educação formal. Autodidacta, sem qualquer base social ou intelectual, como outros literati europeus daquele tempo, começou a escrever aos 19 anos, quando era aprendiz de sapateiro em Bodø, no norte da Noruega.
Pesquisa, adaptação e tradução livre do inglês de www.theguardian.com e www.britannica.com
Um conto em particular desta colectânea de contos - O Cocheiro da Morte -, que me andou a profanar as vísceras, a violar o meu segredo, a transgredir-me, arrombando as crenças que me contaram, devassando as raízes que me sustentam, sussurando-me a verdade que sempre neguei por não conhecer outra.
Um conto que detestei ler desde o seu início, que abandonei a meio, que retomei e abandonei outra vez, que recusei ler, com quem batalhei.
É sempre assim com histórias que vão aniquilar vazios que pensei estarem cheios, que vão crua e desumanamente contar aquilo que não quero ler, destruindo partes de mim que irão renascer numa outra dimensão.
Nas suas últimas páginas não o quis abandonar, retardando a sua leitura para não chegar ao seu fim, que criou um novo início em mim.
Fiquei sem saber o que dizer sobre este silêncio de abandono em que ele me deixou.
Em breve virá a manhã do primeiro dia do ano, David, e, ao acordarem, o primeiro pensamento dos homens será para o novo ano; pensarão em tudo o que esperam e desejam que este ano lhes traga e depois pensarão no futuro. E o que eu queria era poder aconselhá-los a não pedirem nem a felicidade do amor, nem o sucesso, nem a riqueza ou a longa vida, nem sequer a saúde. Não, que se limitem a juntar as mãos e a concentrar as ideias num único pedido: «Senhor, fazei com que a minha alma alcance a maturidade antes de ser ceifada!»