Comecei a ler os primeiros dois volumes de contos de Jorge de Sena. A edição que estou a ler reúne dois livros num só: Andanças do Demónio (1960) e Novas Andanças do Demónio (1966).
O demónio está presente em todos eles e se não está, adivinha-se. Nas suas andanças, que podem coincidir com as nossas, nunca sabemos quando vamos encontrá-lo.
Não é difícil reconhecê-lo: não é bom, nem é mau. Aliás, é como qualquer humano e confunde-se com ele na sua desumanidade.
Um demónio caminha incansavelmente pelo mundo, só para saber o que está a acontecer e para provocar uma alma ou outra. Com as suas andanças vive da inconstância e muda de lugar sem lógica ou sentido, só pelo prazer de uma batalha que não quer ganhar.
Tal como Sena disse sobre estes contos:
Uma das melhores maneiras de soltar o diabo às canelas dos bem-pensantes de todas as cores e feitios é falar nele, com ares de ironia, como se não existisse.
Começámos a ler História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar a dois.
Pausamos constantemente a leitura para falarmos sobre ela. Aliás, tem sido uma leitura muito conversada e já tinha saudades de ler assim.
Há muito tempo que não lia Sepúlveda e não consegui conter o choque quando soube da sua morte à mercê da pandemia, no ano passado. Para mim ele era já imortal e mantive-me em negação até hoje.
Quando li a dedicatória que o autor escreveu neste livro, a sua mortalidade atingiu-me em cheio:
Aos meus filhos Sebastián, Max e León, os melhores tripulantes dos meus sonhos.
Sei que ele sempre irá pertencer ao meu imaginário e eu ao dele. É assim a imortalidade na literatura.
A experiência de leitura de Mário de Andrade está a superar as minhas expectativas, porque sempre que começo um novo livro, sinto que estou a ler um autor diferente.
Continua a surpreender-me a cada página com esta sua capacidade quase camaleónica de ser outro, sendo ele próprio.
Apesar de ter sido escrito em 1922, só o publicou em 1926 numa versão parcialmente modificada, com apenas 19 dos seus 45 poemas iniciais.
Diz-se que a distância temporal entre a sua escrita e a sua publicação acabou por relegar este livro para o esquecimento. Tendo sido escrito em plena experimentação modernista, perdeu o carácter experimental quando foi publicado 4 anos depois. No entanto, se nos esquecermos desse hiato, há muitos elementos experimentais para admirar: a vida quotidiana, a língua coloquial, o ambiente urbano, as analogias livres e o aspecto visual dos poemas.
Leiam um qualquer livro da literatura russa do século XIX e será quase garantido encontrarem por entre as suas páginas a palavra samovar.
O samovar é mais do que um objecto para aquecer água e servir chá, é também um símbolo do bem-estar e do aconchego doméstico.
Todos eles eram diferentes, não só pelas asas e torneiras, mas também pela sua forma. O tamanho mais vendido era o de 3 a 8 litros e o preço dependia do peso e do material de que era feito. Nos samovares mais antigos utilizava-se qualquer material combustível - carvão, madeira, pinhas -, estas últimas aromatizavam a água.
Quase todas as personagens dos grandes escritores russos do século XIX se reúnem em torno do samovar e é perante um chá fumegante que acontecem os melhores diálogos e/ou monólogos da literatura russa.
No estudo da literatura, mais especificamente na análise de qualquer texto literário há uma regra quase inquebrável: separar a persona do autor da persona do texto.
O que significa que tudo o que ele venha a escrever como ficção, que não seja biográfico, não o faz na primeira pessoa, não o representa.
Não podemos assumir, logo à partida, que o autor está a descrever uma vivência pessoal através de uma personagem. Esta separação de personas é muito importante na análise de um texto, para que ela seja o mais técnica e imparcial possível.
Quando se estuda um texto a metodologia deve ser clínica e não emotiva: observar, detectar os padrões, as incongruências, o seu melhor e o seu pior, os detalhes que o demarcam de todos os outros. O lugar da emoção é para antes e para depois, nunca nos entretantos.
Mas a tentação é muita, especialmente com autores que sabemos terem nos seus livros uma grande componente pessoal, mesmo que não o digam abertamente.
Essa linha ténue, quase proibida, é a que mais gosto de atravessar.
A Penguin Classics vai lançar um podcast On The Road with Penguin Classics para inspirar novos leitores a descobrirem velhos títulos.
O autor e editor Henry Eliot será o anfitrião que receberá a partir de 28 de Janeiro convidados de várias áreas, que irão comentar e tentar convencer os leitores a lerem um clássico.
E porquê agora? Porque neste mês comemora-se os 75 anos do nascimento da Penguin Classics que lançou o seu primeiro clássico em 1946, uma tradução d' A Odisseia. Desde então a marca Penguin Classics tem-se tornado na maior biblioteca viva de clássicos publicados em inglês.
É a eles que recorro quando não encontro clássicos em português e é deles o livro que estou a ler de poesia russa: The Penguin Book of Russian Poetry.
Este instante da minha estante não tem livros, mas tem Abraço.
A Associação Abraço e as Associações dos Serviços de Pediatria Hospital da Ilha Terceira (Amigos da Pediatria da Ilha Terceira), do Hospital de Ponta Delgada (Grupo de Amigos da Pediatria do Hospital de Ponta Delgada), e do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca (Fernandinhos & Companhia), juntaram-se e criaram a Agenda Solidária 2021 “Quando eu for grande”, numa homenagem dos mais pequenos aos profissionais de saúde que continuam a sua incansável luta contra a Covid-19.
As verbas angariadas serão para a aquisição de equipamento de proteção individual para os respectivos hospitais e para equipamento médico e de hotelaria, como berços, cadeirões, cadeiras e mobiliário diverso.
A agenda pode ser adquirida na Loja Abraço e o Emanuel irá responder-vos com a maior das simpatias, ajudando com qualquer questão que tenham.
Não contei nada, eu sei, mas durante todo o ano de 2020 andei à procura dos livros de Sena e vi-me envolvida numa aventura inesperada.
Quando a biblioteca reabriu, descobri, para mal dos meus pecados, que não tinham em catálogo quase nenhum livro de Sena. Comecei depois a procurar por livros disponíveis para venda e descobri que muitos deles estavam esgotados e que outros tantos não tinham previsão de reposição.
Salvou-me a Almedina onde consegui encontrar muitos dos livros dele, mas e a poesia?
Indisponível em todo o lado. Apeteceu-me gritar!
Ler Sena e não ler a sua poesia seria como aprender o alfabeto e não conseguir criar uma única palavra.
Voltei novamente à biblioteca. Procurei incansavelmente por Sena. Encontrei miraculosamente a sua poesia. Aborreci a bibliotecária. Quis tocar nos livros e ela não me deixou. E trouxe os três volumes de poesia debaixo do braço.
Foi uma luta renhida, oh! se foi, mas Sena já está ali na estante, à minha espera.