Há uma incapacidade fundamental em Hollywood para arrancar qualquer coisa boa de caráter hispano-americano.
Lançam-se mãos de cactos, haciendas, colônias, lovely señoritas, masterful hidalgos, guapos caballeros, que ao se despedirem gritam-se, com uma originalidade de dar calafrios na espinha: Adiós, amigo! Dança-se o tempo todo, fandangos, rumbas, congas, sambas. Há sempre uma serenata de guitarra onde algum nostálgico muchacho canta uma paloma qualquer sob um fatídico balcon enluarado.
Tivesse o cinema a desgraça de ser além de falado, sensível ao olfato, e haveria cheiros de jasmim e de estrume fresco embriagando o ambiente.
Vinicius de Moraes nunca escondeu a sua paixão pelo cinema e, como tal, não poderia deixar de escrever sobre ele.
Aliás, escreveu várias crónicas sobre cinema ao longo da sua carreira como jornalista e escritor. Crónicas leves e descontraídas, com observações precisas e reflexões profundas sobre a arte cinematográfica.
E são essas crónicas que estou a ler neste momento, reunidas num só volume: Cinema de Vinicius de Moraes.
Sou um apaixonado de Cinema. Só Deus sabe como gosto de uma boa fita, o prazer que me traz «ver Cinema», discutir, ponderar, escrever, até fazer Cinema na Imaginação. Acho mesmo que só a Música traz-me uma tão grande sensação de plenitude e gratidão.
Creio no Cinema, arte muda, filha da Imagem, elemento original de poesia e plástica infinitas, célula simples de duração efêmera e livremente multiplicável.
Creio no Cinema, meio de espressão total em seu poder transmissor e sua capacidade de emoção, possuidor de uma forma própria que lhe é imanente e que, contendo todas as outras, nada lhes deve.
Creio no Cinema puro, branco e preto, linguagem universal de alto valor sugestivo, rico na liberalidade e poder de evocação.
Marcus Vinitius da Cruz e Melo Moraes - é este o nome completo do poetinha.
Nasceu dia 19 de Outubro em 1913 numa família de apaixonados pela arte. O pai dividia-se entre o serviço como funcionário da prefeitura e o seu lado artístico (violinista amador e poeta) e a mãe, Lídia Cruz, era pianista.
Talvez por ter crescido num meio artístico Vinicius interessou-se desde pequeno pela poesia.
Sempre teve uma personalidade determinada, de tal modo que aos nove anos, decidiu ir com a sua irmã Lygia a um cartório no centro do Rio de Janeiro para mudar o seu nome, passando a chamar-se simplesmente Vinicius de Moraes.
Choram as árvores na espantosa noite, curvadas sobre mim, me olhando Eu caminhando. . . sobre o meu corpo as árvores passando Quem morreu si estou vivo, porque choram as árvores? Dentro em mim tudo está imóvel mas eu estou vivo, eu sei que estou vivo porque sofro.
De nada vale ao homem a pura compreensão de todas as coisas Si ele tem algemas que o impedem de levantar os braços para o alto De nada vale ao homem os bons sentimentos si ele descança nos sentimentos maus
Muito forte sou para odiar nada sinão a vida Muito fraco sou para amar nada mais do que a vida A gratuidade está no meu coração e a nostalgia dos dias me aniquila Porque eu nada serei como ódio e como amor si eu nada conto e nada valho.