Vinicius de Moraes começou a escrever críticas cinematográficas em 1941. A partir daí, o seu relacionamento com o mundo cinematográfico atravessou quase todas as áreas. Para além de crítico, foi também produtor, roteirista, delegado e presidente de festivais de cinema nacionais e internacionais e autor de bandas sonoras.
Em 1946, vai para Los Angeles e conhece grandes nomes de Hollywood. Estuda cinema em 1947 com Orson Welles e lança internacionalmente a revista Film, com o então jovem crítico brasileiro Alex Viany.
Deixou-nos as suas crónicas sobre o cinema do seu tempo, sendo uma perspectiva interessante comparativamente ao século XXI.
É um mundo onde os homens só se aproximam da realidade da poesia, só se fazem cordiais e só reconhecem seus amigos e procuram ajudá-los quando estão bêbados - e que maior tragédia?
É um mundo onde o instinto de conservação em geral leva a melhor sobre os melhores sentimentos.
Em 1924 Vinícius passou a freqüentar o Colégio Santo Inácio, dos jesuítas, que seria bastante importante em sua formação cultural, pois foi lá que suas habilidades se desenvolveram e onde conheceu dois grandes amigos: Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira e Renato Pompéia da Fonseca Guimarães.
"De início, ouvido afinado, o coro da igreja; depois, o futebol (...jogava na linha...) e várias modalidades de atletismo, em que se distinguiu.
E também ganhou muitas medalhas e menções honrosas em Português, História, Ciências... mas nunca em Matemática! (...)"
in Vinicius de Moraes, crítico de cinema de Afrânio Mendes Catani
Chaplin é um imenso trágico porque o mundo onde colocou o seu lírico vagabundo é um mundo trágico. É um mundo onde há uma linda ceguinha, a quem Carlitos não pode deixar de amar - e que maior tragédia? É um mundo onde há milionários, gastos por dentro, que oprimem a todos, que compram tudo, que têm o que querem e no entanto estão sempre à beira do suicídio - e que maior tragédia?
Seu pai foi um poeta inédito, pós-parnasiano, "com um pé no simbolismo".
Era conto familiar que Olavo Bilac, seu amigo, aconselhou-o a publicar seus versos. Além disso, o velho Clodoaldo era, também, tocador de violão e cantador de modinhas; dona Lídia tirava tangos do piano; idem quanto ao seu avô. E seu tio mais moço, Henrique de Mello Moraes, boêmio e seresteiro, vira e mexe baixava na Ilha com o grande amigo, o compositor Bororó e mais dois violões.
Quando não havia sarau de música o jovem Vinícius abria o Thesouro da Juventude e ia copiando ou imitando as poesias que encontrava. Assim, os concorridos saraus musicais em família, bem como a intensa leitura e cópia de poemas desde a infância, marcaram-no por toda a vida.
in Vinicius de Moraes, crítico de cinema de Afrânio Mendes Catani
Vós, cidadãos homens, representantes de um mundo a que governais e, de uma civilização a que destes forma: fazeis governos homens de todas as classes e profissões, que os derrubais, que criais culturas e as deitais por terra, que fabricais guerras e morreis nelas que vindes crescendo e vos aprimorando ser heróico a perseguir a lua desde a treva das origens; vós, homens do tempo, criaturas solitárias, donos da criação e escravos de vós mesmos; vós, inventadores do tédio e do ressentimento, portadores da verdade e da mentira absolutas, perseguidos da tristeza, da alegria precária e efémera, sempre contingenciado, pelo vosso limite a que, no entanto, não aceitais...
Vós que sufocais a mulher, que a mantendes com pulso de ferro ao nivel que gostais de chamar "a sua inferioridade física e intelectual"; vós que amais a mulher nas suas algemas, porque temeis a sua liberdade para amar; vós, que, porque temeis a realidade da mulher, a desprezais e maltratais, e porque a desprezais recebeis em paga o artifício e a traição...
Clodoaldo Pereira da Silva Morais [pai de Vinicius de Moraes] era, nas palavras de Vinícius, um homem generoso.
"Fosse ele um homem rico, e nunca filhos teriam tido mais. Sempre me lembra os Natais passados na pequena casa da Ilha do Governador, e a maratona que fazíamos, meus irmãos e eu, quando o bondinho que o trazia do Galeão, onde atracavam as barcas, rangia na curva e se aproximava bamboleante e cheio de luzes, do ponto de parada junto à grande amendoeira da Praia de Cocotá. Eram pencas de presentes, por vezes presentes de pai abastado como o jogo de peças de armar, certamente de procedência americana, com que me regalou e com que construí, anos a fio, pontes, moinhos, edifícios, guindastes e tudo o mais. E os fabulosos Almanaques do Tico-Tico, lidos e relidos, e de onde, uma vez exaurida a matéria, recortávamos as figuras queridas de Gibi, Chiquinho, Lili e Zé Macaco".
in Vinicius de Moraes, crítico de cinema de Afrânio Mendes Catani
Adeus, John Ford, velho irlandês áspero de fundos sulcos no rosto macerado. Adeus, desbravador de petróleos horizontes, macho insigne do cinema, fabricante de heróis displicentes sempre a conquistar glória com um sorriso de descrença.
Adeus, intratável diretor de homens intratáveis, conquistador de terras inóspitas, violador de cordilheiras, guerreiro duro e incansável a perseguir o inimigo até ao fim, a tocaiá-lo para o cara a cara, sem meias medidas.
Acabastes, John Ford, acabastes, depois de um glorioso passado de lutas - transformado agora num ancião perplexo e gasto, a repetir-se no eco de velhos temas orgânicos, ora esvaziados de matéria.