É possível que isto seja verdade: eu não andei com ela no ventre, não a amamentei, mas em compensação desfiz-me em lágrimas, sofri com todo o meu coração. Por isso há mães verdadeiras que não amam tanto os seus filhos como eu amo a minha filha adoptiva.
Eis a literatura russa. Assassinatos, guerras, traições, intrigas familiares, vícios, discussões políticas, sofrimento psicológico e a dura vida esmagada pela burocracia ou pelo ambiente.
Parece uma tarefa difícil para o leitor, que tem à disposição várias obras de uma mesma meia dúzia de autores do século XIX, desassociar a escrita de Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov, Gógol e companhia de uma temática trágica e brutal, mesmo quando emulada a partir de elementos do romance francês.
Por essa razão, entrar em contacto com os livros de Vladimir Korolenko (1853-1921) pode apresentar uma faceta ainda desconhecida de uma das literaturas mais prolíficas e estudadas do mundo. Isso porque Korolenko, que parecia uma rara unanimidade entre os seus pares — nunca lhe faltaram elogios vindos de Tolstói, Ivan Búnin ou Tchekhov —, pautou a sua ficção por um olhar sensível e humanista para o mais fraco, o injustiçado e o diferente.